Hands up, don’t shoot

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Watts, gueto negro de Los Angeles, 11 de Agosto de 1965: um ano após a Lei dos Direitos Cívicos que pôs termo à segregação racial, uma detenção pela polícia inflama o bairro e ateia uma das mais violentas revoltas urbanas na América. Durante seis dias, aos gritos de “Burn, baby, burn”, o gueto é incendiado e saqueado, os amotinados enfrentam a polícia e a Guarda Nacional: 34 mortos.

Sublinhou na altura Bayard Rustin, activista dos direitos cívicos: “O ponto essencial da explosão em Watts é que marca a primeira grande rebelião de negros contra o seu próprio masoquismo e foi conduzida com o expresso propósito de afirmar que não continuariam resignadamente submetidos à miséria da vida do gueto.”

Meio século depois, mudou o rosto da América. Desapareceram a segregação e o racismo assumido. Emergiu uma próspera classe média negra. Políticos negros governam a maioria das cidades do Sul. Condoleezza Rice foi secretária de Estado. Barack Obama torna-se em 2008 o primeiro Presidente negro. É a “América pós-racial”.

Não é tão simples. Criou-se um fosso entre a classe média negra e aquilo a que sociólogos chamaram a underclass, uma “subclasse” de populações incapazes de romper o círculo vicioso da pobreza, marginalidade e assistencialismo — é excluída e, mais grave, auto-exclui-se.

Se a exclusão faz parte do cocktail, é apenas um dos ingredientes. O mais poderoso é a acumulação de tensões entre a comunidade negra e as instituições, designadamente a polícia. Foi a violência policial que esteve na origem dos grandes motins posteriores a Watts: Miami (1980), caso Rodney King (1992), Oakland (2009), caso Trayvon Martin (2012). “O racismo desaparece do espaço público mas subsistem bolsas nas instituições públicas: um racismo institucional, ‘um racismo sem racistas’” — resume o historiador Romain Huret.

Ferguson revolta-se contra um facto: a polícia americana tem “licença para matar”. Ou seja, as leis do Missouri, e de outros estados, tornam muito difícil levar a julgamento o polícia que mata um negro. O Grande Júri decidiu “normalmente”. A questão subjacente é esta: confiamos ou não na polícia? Os brancos tendem a dizer que sim, os negros que não. Ferguson, desertada pela classe média branca, tem hoje dois terços de negros. Mas a polícia é 94% branca. O Grande Júri tinha 12 membros: nove brancos e três negros. Já não é a morte de Mike Brown que movimenta as pessoas. São a “licença para matar” e a negação de justiça. Daí o slogan que unifica a revolta: “Mãos ao ar, não disparem.”

Avisa o escritor Tré Easton: “Raça é duro. Raça é a mais dura coisa que os Estados Unidos têm de enfrentar.” Não é “culpa” de brancos nem de negros. É a História.

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Manifestante nas ruas de Ferguson nesta terça-feira JEWEL SAMAD/AFP
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