O pacto da gravata

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Chamaram-lhe o “pacto da gravata” e não é para menos. Dois jovens primeiros-ministros europeus, ambos com 40 anos, de esquerda, recém-chegados ao poder e defensores de uma nova forma de fazer política, trocaram presentes. Matteo Renzi, italiano, ofereceu uma gravata de seda made in Italy. Alexis Tsipras, grego, ofereceu um CD de música da Apúlia, o salto alto da “bota” italiana que na Antiguidade foi uma colónia da Grande Grécia. Estamos no reino da simbologia e todos os gestos são lidos ao microscópio. O de Renzi é o de alguém que acolhe. O de Tsipras é o de alguém que chega de cabeça erguida, consciente das glórias do passado e que diz basta à humilhação. Não são pormenores. O próprio ministro das Finanças grego falou dessa dimensão no fim do Grand Tour desta semana, dizendo que a humilhação da Alemanha entre as grandes guerras ajudou a criar Hitler.

Antes de ser primeiro-ministro, Renzi surpreendeu Itália ao convidar Silvio Berlusconi — já condenado — para uma reunião sobre o futuro do país. Um grupo de velhos comunistas fez-lhe uma espera para atirar tomates contra o carro. Pragmático, Renzi sabia que Berlusconi estava condenado mas não estava morto. Precisava dele. Renzi é um homem obcecado com resultados e esse foi um dos conselhos que deu a Tsipras no encontro desta semana. Tem sobre o colega grego a vantagem de um ano de governação e centenas de encontros em Bruxelas. Disse-lhe três coisas: para esquecer a batalha ideológica contra a troika porque pode ser contraproducente, para estabelecer contactos directos com a Comissão Europeia e os seus líderes, e para pôr à frente de tudo Angela Merkel.

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Matteo Renzi, à direita, oferece uma gravata de seda italiana ao novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, durante uma conferência de imprensa no Palácio Chigi, em Roma, a 3 de Fevereiro Remo Casilli/REUTERS

A gravata que Renzi ofereceu a Tsipras é mais do que um adereço e não deve ser lida apenas à luz da etiqueta. Faz parte de um lote de 650 gravatas que Renzi encomendou a Maurizio Talarico, famoso no métier, para oferecer aos colegas europeus durante os seis meses da presidência italiana da União Europeia que acabou em Dezembro. Tal como deu uma a Hollande, Juncker e Schäuble, também deu uma a Tsipras. Dar-lhe a gravata foi dizer que faz parte do clube europeu, que não é um outcast. Ao contrário de Passos Coelho, que se limitou a dizer que as ideias do Syriza são “um conto de crianças”, Renzi disse que os gregos vão ser levados a sério. E foi daqui que nasceu o “pacto da gravata”. “Queremos dar uma mão verdadeira à Grécia, o que não significa dar-lhe sempre razão. Estamos confiantes de que a situação se resolverá. E quando isso acontecer, teríamos todo o prazer em que o primeiro-ministro usasse uma gravata italiana.” A resposta de Tsipras tornou a gravata o símbolo de uma promessa: “Prometo usá-la quando tivermos encontrado uma solução comum.”

Uma diferença significativa: Renzi é um pragmático. Tsipras ainda não sabemos como vai ser no poder.

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