Para vencer o próprio partido, Valls aprova lei laboral por decreto

Reforma ao Código do Trabalho voltou a deixar o Governo isolado, com a direita e a esquerda unidas na oposição.

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Manuel Valls recorreu de novo ao artigo 49 para evitar um chumbo na Assembleia Eric Feferberg / AFP

O Governo francês vai forçar a aprovação da controversa reforma laboral, sem recorrer à Assembleia Nacional. Este pacote legislativo foi alvo de uma intensa contestação nas ruas, cujos críticos dizem vir encurtar os direitos dos trabalhadores e facilitar os despedimentos.

Uma reunião do conselho de ministros esta terça-feira autorizou o primeiro-ministro, Manuel Valls, a utilizar o artigo 49 da Constituição, uma prerrogativa que permite a aprovação de leis por decreto. “Faço-o com responsabilidade, mas também com confiança”, afirmou Valls, perante os deputados. O recurso a esta arma constitucional foi justificado porque a “reforma deve continuar” e o “país deve avançar”.

A invocação deste artigo passa directamente para o Governo a responsabilidade pelo projecto de lei — e apenas uma moção de censura apresentada nas 48 horas seguintes poderá travar a sua aprovação. Em 2006, antes de ser Presidente, François Hollande referia-se ao artigo 49 como “negação democrática”, como fez questão de recordar o jornal de esquerda Libération, através do Twitter.

A prerrogativa constitucional foi usada por três vezes em 2015 para que fosse aprovada a chamada Lei Macron — um conjunto de reformas com o objectivo de liberalizar alguns sectores da economia altamente contestadas pela esquerda.

A oposição de direita já anunciou que vai apresentar uma moção de censura e apelou aos críticos da reforma à esquerda a manterem a “coerência”, segundo a AFP. O recado é dirigido para a ala “rebelde” do Partido Socialista, que tem feito uma cerrada oposição interna a Hollande e a Valls, a quem acusam de estar a operar uma guinada neoliberal no Governo.

“Este compromisso reuniu o grupo maioritário. Porém alguns recusam-se a entrar na lógica deste compromisso”, lamentou Valls. “Compreendo essa posição, mas não a partilho”, acrescentou, despertando um coro de vaias na Assembleia.

Terá sido precisamente o receio de uma fuga de votos da bancada socialista a levar Hollande a autorizar o recurso ao artigo 49. O líder dos deputados insurgentes, Christian Paul, disse que a bancada se vai reunir para decidir se alinha com a direita e apoia a eventual moção de censura. Para que tenha sucesso, é necessário reunir uma maioria absoluta (pelo menos, 289 deputados), o que a concretizar-se significaria o derrube do Governo. As bancadas da direita contam com 227 deputados, pelo que precisaria do apoio de toda a esquerda e ainda de alguns socialistas.

A reforma ao Código do Trabalho é vista pela esquerda como uma subordinação do Governo aos patrões, por vir aumentar a precarização dos trabalhadores e facilitar os despedimentos. Valls defende que a Lei El Khomri (assim denominada por causa da ministra do Trabalho) é a chave para relançar a economia francesa — com um crescimento anémico no primeiro trimestre — e combater o desemprego, superior a 10% da população activa.

Os sindicatos e as associações estudantis não acreditaram nas justificações de Manuel Valls e organizaram grandes manifestações e greves em várias cidades durante o último mês. Os protestos de 31 de Março foram os maiores do consulado de Hollande, com a excepção do movimento contra o alargamento dos direitos aos casais homossexuais, em 2013. Segundo os sindicatos, estiveram nas ruas cerca de 1,2 milhões de pessoas em 250 cidades; para a polícia foram apenas 390 mil. Para esta quinta-feira está marcada uma nova jornada de luta, convocada pelos sindicatos e que também terá a participação do movimento Nuit Debout, que segue o modelo de grupos como o Occupy Wall Street.

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