Portugueses são dos que menos faltam ao trabalho quando têm dores

Mais de metade dos inquiridos num estudo internacional sobre dor acredita que é o ambiente de trabalho a causa das suas dores corporais e de cabeça.

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Só 20% dizem ter faltado ao trabalho por causa de dores no corpo e 9% devido a dores de cabeça PAULO PIMENTA

Os portugueses estão entre os europeus que menos faltam ao trabalho quando sofrem de dores, apesar de Portugal figurar no quarto lugar na lista dos países que exibem um índice de dor mais elevado - a seguir à Roménia, Rússia e Espanha. Portugal apresenta uma das proporções mais reduzidas de atestados médicos por este motivo, indicam os resultados de um estudo mundial sobre o impacto da dor (Global Pain Index) realizado em 32 países e que nesta terça-feira é apresentado em Lisboa. Nos últimos 12 meses, só 20% dizem ter faltado ao trabalho por causa de dores no corpo e 9% devido a dores de cabeça.

“É mais um estudo que mostra que a dor é um problema de saúde pública”, comenta a presidente da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), Ana Pedro, que destaca o impacto multifacetado deste problema com consequências não só a nível pessoal, familiar e social, mas também económicas.

Mais de metade (57%) dos participantes neste estudo - que, em Portugal, se baseou num inquérito online a 500 pessoas com mais de 18 anos, uma iniciativa da GlaxoSmithKline, farmacêutica líder de mercado na venda de analgésicos - mostrou-se convicta de que é justamente o ambiente de trabalho a causa das suas dores corporais e de cabeça. Cerca de metade afirmou mesmo que trabalha regularmente com dores (55%). E uma em cada quatro pessoas, com mais 55 anos, que sofrem de dores corporais ignoram o problema e esperam que a dor passe.

“Os portugueses são muito resilientes e resignam-se, não querem incomodar, é uma questão cultural. Por outro lado, o absentismo tem consequências no trabalho, no rendimento mensal e na progressão na carreira”, explica a presidente da APED. “Em Portugal ainda se sofre muito em silêncio”, admite, recordando os resultados de um grande estudo nacional feito pela Faculdade de Medicina do Porto, em 2009, (amostra representativa de mais de cinco mil pessoas) que concluiu que cerca de um terço da população sofre de dor crónica (sentida nos últimos três meses). São resultados que, frisa, não podem ser comparados com os do estudo mundial, porque este último avalia um parâmetro diferente, a dor semanal.

No conjunto dos 15 países europeus analisados neste estudo, Portugal figura entre aqueles em que a percentagem de pessoas que diz sentir dores corporais todas as semanas é mais elevada (61%), enquanto as dores de cabeça afectam semanalmente 16% dos inquiridos (neste indicador o país está alinhado com a tendência global). 

Absentismo custa 381 milhões por ano

A dor, já se sabia também, tem um impacto económico muito elevado. O referido estudo nacional permitiu estimar que os custos associados ascendem a mais de 4,6 mil milhões de euros anuais -  um doente com dor crónica custa, em média, quase 1900 euros por ano, incluindo os custos directos (medicamentos e serviços de saúde) e os indirectos, como o absentismo e reformas antecipadas.

Já segundo o estudo mundial agora divulgado (que contabilizou apenas a perda de dias de trabalho), o impacto é da ordem dos 381 milhões de euros por ano (perdeu-se uma média de 1,4 dias devido a dores corporais nos últimos 12 meses). Mas é preciso acrescentar o tempo que se gasta em idas a consultas e a despesa com fármacos e exames médicos, nota Ana Pedro, que lembra que o impacto da dor é muito mais abrangente, uma vez que afecta não só a qualidade de vida do próprio doente mas também a daqueles que o rodeiam, interferindo ainda com a capacidade e produtividade laboral.

Curiosamente, a probabilidade dos trabalhadores sentirem um impacto negativo da dor é superior na faixa etária entre os 18 e 34 anos, no estudo internacional. De resto, os mais jovens são aqueles que mais fazem autodiagnóstico e são os que mais se automedicam. “São os que mais recorrem ao Dr. Google. E também têm um estilo de vida que potencia problemas futuros, por usarem muito os computadores, por causa do sedentarismo, obesidade, ansiedade e stress”, elenca a médica. Como já indicavam estudos anteriores, são as mulheres que sofrem com maior regularidade de dores corporais em comparação com os homens (mais de metade contra mais de um terço).

Os que mais se preocupam com a dor

Apesar de faltarem pouco ao trabalho, ainda segundo este estudo, os portugueses são também os que mais se preocupam com a sua dor - dois terços dos afectados admitem que a dor de cabeça os deixa preocupados e os faz sentir mais ansiosos. De entre os que conhecem a origem da sua dor, mais de 30% foram diagnosticados por um médico, o que representa uma das maiores proporções no contexto global.

Quanto ao tratamento, as pessoas que sofrem de dores corporais recorrem maioritariamente a medicamentos receitados pelo médico, enquanto a dor de cabeça é tratada sobretudo com medicamentos não sujeitos a receita médica.

"Tratar a dor crónica não é como tratar uma infecção", sublinha, a propósito, Ana Pedro. O tratamento não passa exclusivamente pela prescrição de medicamentos, é necessário tratar a ansiedade, a depressão, a obesidade, entre outros. "No fundo, são necessárias várias estratégias e profissionais, envolvendo o doente no seu tratamento e promovendo a mudança de hábitos de vida. Não será um medicamento a produzir um milagre”, enfatiza, notando que a prevenção e a educação do doente para a saúde é muito importante.  

O inquérito para este estudo estudo mundial foi realizado entre Setembro e Novembro de 2016. Foram entrevistadas mais de 19 mil pessoas com mais de 18 anos nos 32 países analisados.  Em Portugal foram inquiridas 500 pessoas, 260 mulheres e 240 homens. Deste total, 286 estavam empregados.

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