"Não acredito que BE e PCP" tenham apenas "uma agenda de reivindicação salarial ou de resposta à notícia"

Em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro dá a entender ao Presidente que este não tem motivos de crítica sobre incêndios e demora-se a explicar a relação que tem com o PSD.

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Rui Gaudencio

A última semana foi uma semana em que o Governo sentiu de novo a pressão dos incêndios, desta vez com o de Monchique, e que além da resposta no terreno, tinha também uma resposta política a dar. Sobretudo ao Presidente da República que, no ano passado, colocou uma espada em cima da cabeça de António Costa caso o Governo não se preparasse como deveria ser ou acontecesse de novo uma tragédia como as de 2017. Costa olha já para o futuro e, numa altura em que negoceia com os parceiros o Orçamento do Estado, faz pressão para que os partidos mais à esquerda pensem nas questões de fundo.

Na entrevista que deu ao Expresso este sábado, com uma parte exclusiva só sobre incêndios, Costa não esquece essa pressão deixada pelo Presidente e lembra que "houve um caminho que se iniciou que levou o Presidente da República a dizer que tinha havido uma resposta como nunca tinha existido num fenómeno desta natureza". O timing não é de relativizar, Marcelo Rebelo de Sousa tem andado calado sobre esta matéria e as palavras de Costa sairão antes de o Presidente se deslocar ao terreno.

Em termos práticos, houve no entanto dois pontos que não avançaram: a maioria no capital da SIRESP,Sa e as alterações à lei orgânica da Autoridade Nacional de Protecção Civil. Sobre o primeiro assunto, o chefe de Governo diz que " a necessidade de ter a maioria do capital deixou de ser essencial", uma vez que chegou a acordo com a PT/Altice para a realização de vários investimentos; sobre o segundo caso, deixou a nota que a legislação da ANPC e também do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas serão alteradas depois do Verão.

Sobre incêndios, o primeiro-ministro queixou-se esta semana que as suas palavras em Monchique, quando se referiu à excepcionalidade do incêndio de Monchique no "sucesso" do combate aos restantes incêndios, tinham sido descontextualizadas. Este sábado, admite que há duas maneiras de olhar para os incêndios — "através do copo meio cheio ou meio vazio" — e frisa o risco que o país ainda corre até ao final do tempo quente: "Tudo isto [vários factores] no conjunto deve levar-nos a estar conscientes de que há maior risco, a probabilidade desse risco se traduzir numa ameaça é maior e que quando essa ameaça se produz tem consequências piores do que no passado".

Além dos incêndios, o primeiro-ministro demorou-se na entrevista a explicar a relação que mantém com o PSD. Repetindo uma ideia que já tinha deixado nas jornadas parlamentares do PS em Julho, que "o PSD não tem lepra", o primeiro-ministro reafirma que não é favorável à criação de um bloco central, mas que não entende as questões em torno da relação que existem com os sociais-democratas: "Tem sido construída uma enorme mitologia sobre o relacionamento com o PSD", refere. 

Aqui, reafirma que a sua intenção é a de continuar com a actual solução governativa, dependendo, claro, das escolhas dos parceiros. Sobre estes, não se alongou muito nas declarações de amor, como costuma fazer com frequência, lembrando até que o programa que está a executar é o de Governo, que não é do PCP, nem do BE, como justificação para alguns afastamentos aos parceiros.

Afastamentos esses que pesam agora em plena negociação para o último Orçamento do Estado da legislatura, como a negociação das carreiras dos professores. Nesse contexto e questionado sobre o que pode dar aos partidos, Costa lembra várias medidas "de fundo" que podem consubstanciar o esqueleto de futuros acordos com a esquerda: "O país tem de se concentrar nos grandes desafios do futuro. E os grandes desafios passam por trabalho que leva muito tempo, como a reforma da floresta, o investimento nas qualificações, a inovação do tecido empresarial se queremos continuar a ter crescimento económico e emprego qualificado; isto são questões de fundo".

E sobre estas "questões de fundo" espera que os partidos não se coloquem de fora. Em plena negociação para o Orçamento, Costa não deixa de lado uma indirecta: "Não acredito que o BE e o PCP tenham meramente uma agenda de reivindicação salarial ou de resposta à notícia".

Ministro da Saúde fica

Na entrevista ao Expresso, Costa defende o caminho que está a ser traçado no sector da Saúde, lembrando que há melhorias a salientar e por isso segura com toda a força o ministro Adalberto Campos Fernandes. "Recordo que foi preciso o ministro Correia de Campos demitir-se para acabar aquela curiosa epidemia dos partos nas autoestradas... Se alguém espera que o professor Adalberto Campos Fernandes deixe de ser ministro da Saúde para que esses problemas se resolvam por artes mágicas pode tirar o cavalinho da chuva, que ele não deixará de ser ministro", disse.

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