Incerteza política já esperada não assusta mercados

Acções de empresas portuguesas e títulos de dívida pública registaram variações moderadas no rescaldo das eleições. Resultados foram aquilo de que os investidores estavam à espera.

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Luís Montenegro discursa na noite das eleições Nelson Garrido

Sem mostrarem surpresa em relação aos resultados eleitorais e aparentemente pouco preocupados com o cenário de instabilidade recorrente em que pode entrar a política em Portugal foi assim que estiveram, pelo menos até ao meio da tarde desta segunda-feira, os investidores dos mercados financeiros que negoceiam acções e títulos de dívida pública portugueses.

As acções da bolsa de Lisboa fecharam o dia com uma desvalorização ligeira (medida pelo índice PSI, de 0,36%), em linha com o que aconteceu na generalidade das bolsas europeias.

E as taxas de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos registavam, até às 16h30, uma ligeira subida de 2,930% para 2,968%, variação em tudo semelhante à registada nos títulos de dívida com o mesmo prazo emitidos pela Espanha e pela França, por exemplo.

Geralmente, a uma situação de incerteza e instabilidade política associa-se uma fuga dos investidores dos activos relacionados com esse país. Mas a verdade é que, pelo menos no dia a seguir a uma noite eleitoral que preanuncia um período em que a governação em Portugal irá estar repleta de dúvidas, não se deu esta reacção.

Uma das explicações para a reacção tão moderada dos mercados reside, como explica Filipe Garcia, analista na IMF - Informação de Mercados Financeiros, no facto de, no essencial, “os resultados terem sido aqueles que as sondagens previam”, isto é, uma vitória da AD sem maioria absoluta.

“Os mercados reagem quando há elementos novos, e não houve elementos novos. Saiu tudo exactamente como era esperado, quer na vitória da AD, quer na repetição, por Luís Montenegro e por Pedro Nuno Santos, dos compromissos que tinham feito na campanha eleitoral”, afirma.

Para além disso, Filipe Garcia assinala ainda que, para haver uma alteração significativa das acções nas bolsas, seria também necessário que as expectativas de crescimento da economia se tornassem muito melhores ou muito piores, ou que houvesse a perspectiva de adopção de medidas que influenciassem determinados sectores de actividade. “Não se vê isso, nem para um lado nem para o outro. E o cenário político criado significa mesmo que há poucas hipóteses de o Governo vir a pôr em prática reformas disruptivas”, explica.

Do lado da dívida pública, parece continuar a imperar entre os investidores a ideia de que, apesar de poderem ter muitas divergências, PS e PSD mantêm um consenso em relação à adopção de uma política orçamental prudente. “Pode haver uma incógnita em relação ao que irá acontecer ao Orçamento [do Estado] de 2025 sem uma maioria absoluta, mas o sentimento nos mercados é de que não faz sentido neste momento estar a penalizar a dívida com base em conjunturas”, afirma Filipe Garcia.

Agências de rating acreditam em consenso

Entre os analistas das agências de notação financeira internacional, as expectativas são precisamente as de que a ausência de uma maioria parlamentar evidente não afectará de forma significativa a condução da política monetária nem a aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Os analistas da Standard & Poor’s, que há pouco mais de uma semana subiram o rating atribuído a Portugal, escreveram esta segunda-feira numa nota sobre o resultado das eleições que “um parlamento fragmentado pode atrasar a aprovação de legislação, mas a prudência orçamental tem o apoio consensual do PS e da AD”. “Esperamos por isso que Portugal apresente excedentes orçamentais moderados durante o período de 2025 a 2027”, diz o documento.

Em relação à execução do PRR, a S&P diz acreditar “ser improvável que um novo Governo dificulte o desembolso dos 13,7 mil milhões de euros que faltam”. Para que isso aconteça, assinala, é preciso, contudo, que se implementem os projectos e as reformas necessários para conseguir a libertação dos fundos.

Outra agência de rating, a Morningstar DBRS, tem uma visão menos optimista em relação aos impactos que podem ser sentidos ao nível do PRR. Numa nota também publicada esta segunda-feira, os analistas da agência mostram-se confiantes de que o executivo liderado pela AD será capaz de “continuar a pôr em prática uma política orçamental saudável, reduzindo o rácio da dívida pública durante a próxima legislatura e usando o espaço orçamental para reduzir impostos”.

No entanto, realça que o principal risco saído destas eleições está “relacionado com um impasse no Parlamento e um Governo instável que possam complicar a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência português”.

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