Azul
Mantendo a sanidade "entre um apocalipse e outro"
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O músico norte-americano Moby confessava esta quarta-feira, no Instagram, que o mundo está a saltar "entre um apocalipse e outro" – e que, para digerir esta sucessão de cataclismos, era importante ter estratégias de sanidade. E perguntava: o que é que vocês fazem para se manterem sãos? No meu caso, sendo jornalista, tento compreender melhor as raízes e as circunstâncias do descalabro. E, nesse exercício, procuro identificar notas de esperança.
Falemos então do elefante laranja na sala. A administração de Donald Trump continua empenhada em destruir o modelo de democracia liberal que ainda persiste nos Estados Unidos (EUA) – e, com ele, arruinar também o caminho para um futuro habitável na Terra. Desde a última newsletter, os EUA abandonaram o fundo de perdas e danos das Nações Unidas, rejeitaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e podem estar a ameaçar o futuro do Observatório de Mauna Loa, no Havai, onde se medem desde os anos 1950 as emissões de dióxido de carbono (CO2).
Há mais, porque uma desgraça nunca vem só. O "desastre climático" ambulante chamado Donald Trump – a formulação, muito apropriada, é da jornalista Andrea Cunha Freitas – questiona ainda se os gases de efeito de estufa são mesmo prejudiciais no contexto da crise climática. Além deste "retrocesso histórico", Trump promete revogar mais de 30 regulamentos existentes relativos à qualidade do ar e da água.
Recorde-se que, desde que assumiu o cargo, no início de 2025, Donald Trump já fez barbaridades como proibir a participação de investigadores dos EUA em avaliações climáticas globais, cortar as verbas destinadas a apoiar nações a reduzir o uso de carvão e, pela segunda vez, sair do Acordo de Paris. Poucos ficaram surpresos com estas medidas: uma campanha embalada pelo lema drill, baby drill, uma ode à exploração fóssil, só poderia dar lugar a decisões políticas contrárias ao que preconiza a ciência climática.
A participação dos EUA, um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa, é fundamental para o sucesso da acção climática. Ao recusarem-se a integrar esforços multilaterais, os EUA estão a prejudicar não só as pessoas que vivem no país, mas todo o planeta. O carbono que se acumula na atmosfera não respeita fronteiras nacionais, nem se importa com dinâmicas geopolíticas. Quanto mais emissões houver, mais intensos e frequentes serão os fenómenos climáticos extremos na Terra. E, nesta roleta da economia fóssil, os que levam as chicotadas mais violentas são as nações (e as comunidades) mais vulneráveis – as mesmas cujos apoios norte-americanos estão agora a ser cortados.
É irónico que a pessoa que lidera boa parte destes cortes seja Elon Musk, o mesmo que, alegadamente com preocupações climáticas, conseguiu encher estradas com carros sem emissões. Esta é, de resto, uma das muitas contradições actuais: o empresário da mobilidade eléctrica integra um Governo dependente da indústria fóssil. E, no afã de cortar custos "desnecessários" da administração norte-americana, Elon Musk descurou a sua própria empresa, a Tesla, cujas acções estão em franca queda.
Poderia continuar a enumerar outros contributos de Trump para o fim do mundo – ou o fim de um mundo habitável, para ser rigorosa –, mas prefiro parar por aqui. Falemos de Portugal. Por cá, tivemos uma semana agitada no parlamento, que culminou com a queda do Governo liderado por Luís Montenegro. Antes disso, contudo, o executivo social-democrata fez avançar diferentes dossiers ambientais, incluindo a estratégia Água que Une e o plano Terra (Transformação Eficiente de Resíduos em Recursos Ambientais). Já a moratória sobre a mineração em mar profundo vai ser votada esta sexta-feira no hemiciclo.
Há contradições aqui também. A estratégia Água que Une, por exemplo, propõe a construção e ampliação de barragens ao mesmo tempo em que preconiza a restauração dos ecossistemas e da continuidade fluvial. Já o plano dedicado aos resíduos, invocando o esgotamento iminente dos aterros sanitários existentes – uma limitação real que, segundo o Governo, consiste numa "situação de emergência" –, propõe a criação de duas unidades de incineração que, se avançarem na próxima legislatura, levarão vários anos a ficar prontas e custarão 1500 milhões de euros.
Para a associação ambientalista Zero, não é lógico oferecer uma solução no futuro para um problema imediato. Isto sem falar das questões climáticas que gravitam à volta da incineração, um processo que envolve emissões significativas de gases com efeito de estufa. O investimento que o plano Terra destina à construção de uma nova unidade no Centro e outra entre o Alentejo e o Algarve, assim como à ampliação das duas existentes no país, poderia ser direccionado para a melhoria das instalações existentes de tratamento mecânico e biológico, assim como para serviços mais convenientes, como a recolha porta-a-porta. Por outras palavras, aos olhos da Zero, apostar na incineração hoje é um retrocesso absoluto.
Para os leitores que conseguiram chegar até aqui sem perder o ânimo, os meus parabéns. Como forma de agradecimento, deixo uma nota de esperança. Existem medidas locais que podem fazer a diferença numa cidade, oferecendo mais saúde e anos de vida às pessoas que nela vivem. Londres conseguiu reduzir a poluição do ar em quase 30% ao ampliar, em 2023, a zona onde os veículos mais antigos e poluentes são taxados. A medida não é popular, sendo contestada até hoje, mas apresenta resultados significativos e benéficos para a população.
Não podemos mudar sozinhos a atmosfera, mas podemos tentar melhorar o ambiente da nossa rua, da nossa cidade, como eleitores e cidadãos. Tento pensar assim para manter a sanidade nestes tempos tão bizarros. E vocês, o que é que fazem para se manterem sãos?
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