A escola é um palácio

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Ainda não o vi pronto, mas o Palácio do Conde do Bolhão, na Rua Formosa, vai abrir as portas na sexta-feira, Dia Mundial do Teatro, depois de décadas a esconder-se da cidade. Casa de festas e tertúlias, habitação mais recatada, sede de uma empresa e, finalmente, escola e casa de espectáculos, o palácio parece pronto para a sua nova vida. O edifício discreto por fora e belo por dentro, classificado como Imóvel de Interesse Público, vai ser, agora, o espaço de trabalho da Academia Contemporânea de Espectáculos (ACE)/Teatro do Bolhão. E a cidade fica mais rica, por reaver o seu edifício.

Foi uma daquelas histórias tão típicas em Portugal. Em 2001, a Câmara do Porto comprou o antigo palácio e cedeu-o, por 50 anos, à ACE/Teatro do Bolhão, mas quem esperava uma obra rápida foi perdendo a esperança. Primeiro, não havia dinheiro para reabilitar. Depois, havia a possibilidade de os fundos comunitários participarem no projecto, mas era a nação que não disponibilizava a respectiva verba nacional, para que a candidatura ao apoio europeu se tornasse realidade. Chegados os fundos, era preciso mais dinheiro e foi preciso encontrar mecenas, pedir apoios individuais, anunciar datas previstas de inauguração que acabaram por chegar e partir sem que tudo estivesse pronto. Agora, parece que sim, agora parece que o edifício mandado construir em 1844 pelo rico comerciante portuense António de Sousa Guimarães vai finalmente mostrar-se. Como novo.

Vai ser uma nova vida para uma casa que, facilmente, passa despercebida a quem percorre a Rua Formosa. Entrei lá, pela primeira vez, numa acção de campanha eleitoral para as autárquicas de 2009, quando os responsáveis pela ACE conseguiram arrastar até ali o então ministro das Finanças de José Sócrates, Teixeira dos Santos, para lhe mostrar por que precisavam tanto que o Governo se comprometesse com a comparticipação nacional para a empreitada, candidata a fundos comunitários.

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Estava sol e lembro-me da escadaria de madeira, dos bonitos tectos em estuque, com buracos feios, mas, sobretudo, da varanda sobre o quarteirão da Casa Forte, mostrando edifícios velhos e degradados em frente ao palácio. Voltei lá há cerca de um ano, quando as obras avançavam e o auditório construído nas traseiras do palácio já mostrava exactamente o que viria a ser. A varanda, contudo, desta vez num dia de chuva, mostrava um cenário ainda mais degradado e degradante, de um quarteirão que ainda aguarda por obras. Naquela altura, jurava-se que em Setembro a inauguração tinha de acontecer. Estivesse o palácio como estivesse. Mas, afinal, foi preciso esperar mais um pouco, e a mudança (com direito a parada simbólica dos alunos e tudo, que já aconteceu há uma semana) está em curso.

O Palácio do Conde do Bolhão viu algumas das festas mais animadas da cidade, no século XIX, com Camilo Castelo Branco como assíduo participante. Depois, António de Sousa Guimarães caiu em desgraça, viu-se envolvido em escândalos com dívidas à mistura (nada de novo, por cá, portanto) e teve de entregar o edifício que mandara construir a um dos seus credores. O palácio passaria depois para as mãos de Emílio Biel, um dos mais famosos nomes dos primórdios da fotografia portuense e, com a morte deste, foi convertido na sede da Litografia do Bolhão pelo novo proprietário. A Câmara do Porto acabaria por comprar o edifício em 2001, cedendo-o, por 50 anos, à ACE/Teatro do Bolhão, para que ali instalasse a sua escola e casa de espectáculos.

Foi nas traseiras do edifício, onde esteve instalada a litografia, que cresceu a sala de espectáculos, mas no palácio propriamente dito funcionarão as salas de aula e serviços administrativos. Há tectos em estuque trabalhado, tectos pintados, salas forradas a seda, vitrais de vidro colorido e a portentosa escadaria em madeira. Algumas salas vão ostentar os nomes dos mecenas que permitiram a sua reabilitação. Nos degraus das escadarias, deverão estar gravados os nomes dos que contribuíram para o seu arranjo, através da campanha de recolha de fundos, lançada há pouco mais de um ano, Degrau a Degrau. Agora, sim, parece que as portas se podem abrir. Agora, parece que está tudo mais ou menos pronto. De um edifício velho e degradado, onde estão hoje instalados, os alunos da ACE vão mudar-se para um palácio. E o palácio vai voltar a ter vozes e risos e festas. Como se estivesse no início da sua vida, outra vez.

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