Castro, uma tragédia interina

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Luís Castro, treinador mais conhecido como “o milagre”, “o interino”, ou aquele que “pelo menos tem um penteado normal” (Miguel Sousa Tavares, in A Bola, Março de 2014). Também “veste com sobriedade e elegância” (idem, ibidem), e “fala um português escorreito”, o que “já é muito, muitíssimo” (idem, ibid, ibid). É ainda famoso pelo contributo para o Museu do FCP: ao lado do Espaço K (o golo de Kelvin nos últimos segundos que deu título contra o Benfica, repetido em loop), deverá agora ser aberto o Espaço AG. 

Num cantinho escuro, os verdadeiros adeptos portistas e a outra espécie, os superdragões, inventores do fair play violento nas derrotas, poderão ver em loop o vídeo do menino André Gomes, com a camisola azul e branca de capitão dos iniciados do Porto, em delicados toques de bola no centro do Estádio do Dragão. E, logo depois, em negro raccord de filme de série Porto B, a mão de Luís Castro assinando a dispensa do incapaz, condenando-o ao degredo no Benfica, a valer 15 milhões de euros e, oito anos depois, a marcar o golo da derrota do FCP na Taça de Portugal, jogando 10 contra 11.

Castro veio invicto ao mundo para salvar a época da crista de Paulo Fonseca (penteado não consentâneo com a estratégia do adepto do FCP mais processado judicialmente pelo clube, que cheirou corrupção nas últimas transferências e nas contas do clube, o que saberá provar corajosamente, e em nome da verdade, mas não viu apitos dourados, frutados, achocolatados e provados à frente do nariz, idem, ibid, ibid, ibid, ibid, ibid, etc). 

O percurso de Castro no palco do futebol, em termos dramáticos, é curioso: um herói salvador que não vinha do estrangeiro (como Édipo, que matou por acaso o pai, que era Laio, não Jorge Nuno), nem chegou em cestinha a boiar no rio (Moisés, que depois atravessou a pé o Mar Vermelho, mas não o do Marquês de Pombal no 33.º título). Castro era outro tipo de mito: o salvador que vinha de dentro da sua cidade. O responsável pelos escalões de formação do clube e treinador da equipa B. Hoje (hoje mesmo, no estádio do Dragão, contra o Benfica) o milagre que lhe resta na equipa principal é seguir para a final da única taça (a da Liga) que o Porto sempre desprezou. Mas também nunca a levantou.

Luís Manuel Ribeiro de Castro nasceu em Mondrões (Vila Real) em 1961. Carrega no corpo 52 anos e vários fatos sóbrios e elegantes (“mais parecendo um treinador italiano”, idem, ibid, ibid, ibid, ibid, ibid, ibid e re-ibid). Enquanto jogador, foi defesa em equipas secundárias. Já treinador profissional, com curso da UEFA, treinou clubes da II Liga e o Penafiel, então no escalão principal… que desceu um ano depois. 

Mas o seu currículo académico principal é o Curso Superior de Física da Universidade de Coimbra. Não se formou num “vão de escadas” à Relvas, o que lhe dava à partida uma “presunção de inteligência e cultura” de que “o futebol cada vez mais precisa” (idem, ibid, uf, uf, uf (…) e adiante…). 

Os conhecimentos de física levaram-no a experiências de laboratório em que conseguiu conjugar explosões, expulsões (dele próprio do banco) e levar o Porto a arder em combustão lenta, a caminhar sobre brasas e outras metáforas menos cultas. Como Luís Castro disse ao Porto Canal:
— O futebol é um conjunto de boas e más notícias que temos de gerir.

Mas quem diz o futebol, diz a vida. E quem diz vida, diz equipa. E, mais uma vez, diz quem sabe do assunto: a formação do Porto “educada para voos baixinhos por Paulo Fonseca e penosamente arrastada até ao cemitério por Luís Castro”, uma “equipa borrada de medo em todos os momentos do jogo” (id, ibidem, mas agora em finais de Abril de 2014).
Nos próximos tempos, a ciência de Luís Castro poderá ser aproveitada pela estrutura do Futebol Clube do Porto em pesquisa (enquanto outro pessoal da casa estudará por que é que continuam a sair grandes jogadores portugueses da formação do Sporting e começam a sair grandes jogadores portugueses da formação do Benfica e… esperem, André Gomes, em rigor, também “saiu”, mas completamente, da formação do Porto…). 

Deverá liderar, como físico, o Laboratório Superior de Trajectórias e Balística do Efeito da Bola: explicar, matematicamente, como é que Ricardo Quaresma faz trivelas que desviam o esférico do adversário para entrar na baliza… e como é que o mesmo Quaresma faz a trivela mental que o afasta do Mundial por mau comportamento. Ou a equação completa da parábola da bola de André Gomes, pingando a bola por cima do ombro para chutar e derrotar o seu antigo clube. Não é só ritmo, é logaritmo.

Desafio ainda mais complexo; que tipo de força de alavanca usou o treinador Jorge Jesus para se levantar da posição de joelhos no relvado do Porto? Arquimedes explica? Jorge Jesus, que tem menos Física e mais, digamos, Gramática Quântica de Calinadas do que Castro (o treinador do Porto também diz “ele interviu” e não “ele interveio”, em nome da “presunção de cultura e inteligência” se esclarece), como fez para, de repente, começar a ganhar ao Porto (hoje pode ser ao contrário, claro)?
— Vocês aí os três façam um quadrado, disse Jesus em tempos.
E os jogadores, por falta de gente — eram só 10 contra 11 —, fizeram.

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