Do vinho ao vinagre

Familiares do clã Espírito Santo já podem ir para a praia da Comporta “brincar aos pobrezinhos” sem fingirem por completo (só à descarada). O DDT já não é o “Dono Disto Tudo”, mas um velho pesticida contra mosquitos dos arrozais. E Granadeiro foi mexer na lata do veneno

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Ex-futuro pai de uma linda fusão luso-brasileira que o repudiou (no negócio das telecomunicações, bastou um telefonema a dizer Oi…?!), fez também brilhante carreira no ramo exclusivo dos amigos do peito. É capaz de dar a própria camisa sem fazer perguntas. Aliás, é capaz de dar tudo o que tem e, principalmente, tudo o que não tem (como 900 milhões de euros dos accionistas da PT, os quais nem avisou) para honrar uma amizade. Se o amigo for um notório (alegado, alegado, perdão) trânsfuga fiscal, falsário, corrupto, e se a empresa resgatada estiver há anos a afundar-se, é muito azar junto. Mas os amigos continuam a ser para as ocasiões. 

A sua gratidão, como a inteligência, se não é de betão armado, é pelo menos de cimento. O primeiro empréstimo que o ex-seminarista Henrique Fusco Granadeiro recebeu na vida, ainda adolescente, foi abençoado por Manuel, o patriarca da família Espírito Santo. Dinheiro que o jovem utilizou para se fazer accionista de uma firma de cimentos, a Cinorte. É portanto um português com interesses culturais, sociais e políticos bem cimentados. 

E, como homem humilde do povo que subiu aos mais altos sítios de onde se cai, prepara agora uma cesta de vitualhas: pão, chouriço, vinho. É para oferecer ao mais importante da família a quem tanto deve: o patriarca Ricardo, o ex-DDT. Poderá lanchar com ele na Quinta da Marinha. Ou na cadeia, porque de repente o impensável pode acontecer num país que perdeu o respeito à banca (mas só muito depois de a banca perder o respeito ao país). 

Brilhante aluno de 20 valores, melhor bolseiro da Gulbenkian no seu tempo, Granadeiro ganhou por seis vezes o Prémio Nacional Escolar D. Dinis, patrocinado pela Sociedade Central de Cervejas (valor de 10 contos de réis). No cesto do lanche poderá ainda enfiar um manuscrito em que glosa o rei-poeta e plantador de pinheiros do séc. XIII e XIV. Para dedicar a Ricardo, rei off-shore e plantador de calotes (séc. XX e XXI):

Ai flores, ai flores do verde pino
se sabedes novas do meu amigo
Ai Deus e o é?
Ai flores, ai flores do verde banco
se sabedes novas do meu Salgado
Ai BES e o é?
se sabedes novas do Espírito Santo
Aquele que mentiu do que nos há jurado
Ai PJ e o é?

Com mérito, o poema recebe o primeiro prémio nacional Alves Reis (outro grande senhor da banca portuguesa), com patrocínio da Rioforte, do Grupo Espírito Santo, e com um valor giro (900 milhões de euros negativos em papel comercial, que já devem ter derretido algures).

Alentejano nascido há 71 anos em Rio de Moinhos, Borba, filho de um trabalhador rural e dos mármores, incansável trabalhador desde criança, foi embaixador na OCDE, chefe da Casa Civil da Presidência da República, etc. Hoje em dia é produtor de vinhos premiados. Na Quinta dos Perdigões, perto de Reguengos de Monsaraz, viveu em tempos o sábio Damião de Góis, relevante personagem do Renascimento, famoso em toda a Europa. E, no século XX, o maestro e compositor Luís Freitas Branco, uma das mais importantes figuras da cultura portuguesa. Finalmente, desde 2001 pertence a Granadeiro, que ganhou uma OPA ao engenheiro Belmiro. O prestígio do monte alentejano continua a subir. 
O balanço só se fará com o resultado das acções judiciais dos pequenos e grandes accionistas lesados pela decisão solitária do presidente executivo e chairman da PT em ajudar o Grupo BES. 

Mas os vinhos são bons. Ah, os vinhos. A excelência sempre a crescer. E que poderá continuar com a introdução de novas castas portuguesas, elevando o vinho a patamares espirituosos de santidade (outra maneira de dizer Espírito Santo). Os primeiros provadores são, claro, aqueles a quem o produtor é mais chegado e com língua treinada nas coisas boas.
— Anima-te, Ricardo. Têm-te tratado bem?
— O que é que dizem de mim lá fora?
— Hum... olha, bebe mas é um copo!
— Não desvies a conversa.
— Não desviasses tanto dinheir... hum, cof, cof, prova lá. É um tinto novo a que chamei... Vinho Salgado.
— Surp... É bom.
— Adivinhas as castas?
— Hum... Baga, Touriga Nacional e Touriga Franca...?
— Quase... Touriga Falida e Touriga Falsa. 
— Isso existe?...
— Agora existe. Prova os brancos. Também fiz um moscatel com a nova casta moscambilha e um malvasia-malfeitoria. 
— Obrigado.
— Tenho uma dívida de gratidão e pago sempre as dívidas, isto é, pago enquanto houver dinheiro.

Que o Espírito Santo os proteja da filoxera e da CMVM. E que saibam resistir à tentação de se voltar a usar DDT em tudo o que mexe em Portugal, política e negócios. É venenoso e contamina toda a cadeia alimentar. Além disso, há dúvidas sobre se a verdadeira praga é o mosquito.

Granadeiro é alentejano e sabe o valor do pão, que nunca desperdiça. Mas 900 milhões de euros não é pão, é papel comercial. Alguém há-de pagar. É só pedir-nos um empréstimo.

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