Goodbye, oh go away!

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Ficará para a história como um dos mistérios da indústria do turismo do século XXI: a troika foi o nome escolhido por um grupo de excursionistas ricos que, sempre que visitava Portugal, se ia embora com intenção de voltar; mas considerando, ao mesmo tempo, os portugueses um povo ordinário, preguiçoso, pouco hospitaleiro e a viver bem de mais na Europa. 
Talvez o nível pouco habitual de ingratidão — e até de má educação nas ruas — dos portugueses tivesse uma causa também rara: o grupo de viajantes, mais do que deixar divisas, viera cobrar juros altíssimos e mandar postas de pescada. Não é costume entre os estrangeiros, que vêm cá mais pelas sardinhas. E pelo sol, o fado e a hospitalidade, precisamente.

Foi em Maio de 2011 que uma troika de três cavalheiros desembarcou no aeroporto de Lisboa. Um do Fundo Monetário Internacional, outro do Banco Central Europeu, outro da Comissão Europeia. Traziam maletas cheias de notas de euro. Não foram revistados. Explicaram à polícia que tinham sido convidados oficialmente para vir à alegre bandalheira endividada para, enquanto tutores, a governarem provisoriamente nos próximos 60 ou 70 anos… aliás, três, queríamos dizer três anos, três é que é o número da troika. Saíram, como combinado, em Maio de 2014 (lá está, não são 70 anos, apenas três, se estamos a mentir que nos caia um raio na cabeça…)
Flash, cabum.

Ao fingir que saíam em Maio de 2014, e com a missão cumprida, levavam na maleta vários presentes: uma cadernetazita de créditos a haver — tipo a das velhotas do Montepio, se é que alguma velhota tem hoje um cêntimo na conta — de grande parte dos 220 mil milhões de euros (dívida geral, sem contar os juros); uma taxa de dívida pública correspondente a 130 por cento do PIB; uma fotografia muito gira do primeiro-ministro a passear num barquinho adisneylado onde brincou às naus dos Descobrimentos e aos salpicos. 

Também não esqueceram de levar com eles, mal-amanhados na maleta, centenas de milhares de emigrantes e jovens qualificados, gerações de portugueses mandados às urtigas, trocados pelos mercados.

E houve espaço para poesia: um exemplar de Os Lusíadas em inglês de Oxford oferecida por um senhor cómico que imitou, com olhos de defenestrador, um revolucionário de 1640. E um livro, já hoje um clássico, de piadas da Coligação PSD-PP. Como esta que faz a chanceler Merkel rebolar-se no chão:
— Eu já ouvi o primeiro-ministro [José Sócrates] dizer, infelizmente, que o PSD quer acabar com muitas coisas e também com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso e isso é um disparate” (Pedro Passos Coelho, 1 de Abril de 2011, Dia das Mentiras).
Ou esta elaboração do invulgar sentido de humor do primeiro-ministro português (40.º aniversário do PSD, Maio de 2014):
— Nunca houve um Governo que defendesse mais o Estado social do que o nosso.

A isto chamam os homens da troika, quando se sentam a beber cerveja em Bruxelas, o “programa de ajustamento da estreita verdade às vastidões da mentira”. E brindam a isso, porque assim é mais fácil invadir países. E brincar com as utopias da Europa e a idade de Mário Soares, Jacques Delors e Helmut Kohl.

As caras da troika foram mudando ao longo dos meses. Acompanhadas em Portugal por um carrossel de alcunhas: desde os “cocó, ranheta e facada”, aos “três reis magos”, incluindo o “etíope, o mais escurinho” (Arménio Carlos, coordenador da CGTP) e o “etíope, o alemão e o careca” (M. S. Tavares). Tivemos o dinamarquês Poul Thomsen, de olhos azuis, e o careca Rasmus Ruffer (ou o descabelado é Jurgen Kroger?), sem esquecer Albert Jaeger, que entrou no eléctrico 28 de Lisboa e saiu de lá com vontade de agravar as condições do resgate, porque lhe roubaram a carteira, e o que a gente se riu com isso. 

Infelizmente, agravou as condições do resgate.

Mas o mais patusco, de longe, foi o homem da foto, o etíope Abebe Selassie. Com nome de imperador divino da Etiópia e fundador espiritual da tribo rasta (apesar de ser também careca). Mas Abebe ficou detido no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da Portela porque nem o visto de entrada trazia em ordem, pensavas que isto já era tudo teu? Também nos rimos muito com esta, é o que levamos de bom desta crise. Todas as crises servem para nos melhorarmos, são catástrofes criativas, claro. Abebe Selassie, do FMI, vai ficar na História de Portugal. Finalmente, encontrou-se o Preste João da Etiópia. Se calhar é menos cristão do que se esperava. A ele serão creditados os (fracos) versos da recuperação:

Louvor da Austeridade acima da Possibilidade

Deve agora o Português 
20 mil euros por cabeça
Paga ao ano ou paga ao mês?
Pague, pague e não esqueça
Que plano tão supimpa
E a isto é que se chama
Uma saída limpa.

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