Mais do mesmo menos

Foto

O Orçamento do Estado 2015 é uma criatura híbrida, nascida de um cruzamento entre uma pen informática preta, uma calculadora e uma cabecinha sonhadora, que viverá alguns meses até ser substituído pelo Orçamento Rectificativo. Quem adivinhar o mês da sua morte (Maio, Junho?) habilita-se a ganhar um carro livre de impostos — desde que denuncie os gastos escondidos dos vizinhos às Finanças.>

Mas vamos a factos e números. Quatrocentas páginas lidas à pressa. Que estucha. Qualquer eventual perda de receita resultante da reforma do IRS — um quociente para beneficiar famílias que dá 0,3% por cada criança, ou idoso, a cargo — vai ser cobrada por trás. É a Fiscalidade Verde, estúpido. A não ser que o contribuinte venda o carro para sucata e convença os bebés a irem a pé para a escola. E o pai ou a mãe idosos terão de conduzir a própria cadeira de rodas até ao centro hospitalar e levarem o porta-moedas para as taxas.

Admitem-se cobranças adicionais em “medidas sectoriais” não especificadas, que pode ser uma taxa de carbono para asmáticos, que puxam muito ar, a juntar à sobretaxa sobre sacos de plástico. Evitem-se outras asfixias, já chega a fiscal.

Outra importante contribuição para o salvamento das contas públicas é o tabaco de mascar. Milhões de portugueses, sabe-se agora, mastigam uma pasta castanha, húmida, repelente (enganará a fome?). Se mascas tabaco, paga a taxa, Billy the Kid e Calamity Jane. Esta cidade é pequena de mais para ti e para o Governo PSD-CDS. Nós sacamos mais rápido do que a própria sombra. E, se voltámos aos cowboys, as equipas da Agência Pinkerton e da ASAE vão fiscalizar os concursos de escarretas de tabaco (com sobretaxa de luxo para os escarradores de cobre). Lembrem-se: o contribuinte bom é o contribuinte meio-morto.

Do lado “da despesa”, devolvem-se 20% dos cortes salariais aos funcionários públicos e acaba-se com grande parte da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). Com uma ressalva: devolver cortes não é aumentar a despesa, é dar o que se tirou a quem lhe pertence.

Ainda do lado da despesa e dos pedinchões desses estudantes com bolsa de estudo e desempregados, entrará em vigor um máximo não especificado. Isto é, só poderão ser beneficiados até ao limite “do rendimento do trabalho de alguém com baixas qualificações”. O que deverá ser o equivalente ao ordenado dos ministros Nuno Crato e Paula Teixeira da Cruz, que pouco percebem do ofício. Ou então é o ordenado mínimo.

O Orçamento do Estado 2015 é um momento histórico. No século XVI, Afonso de Albuquerque tomou Malaca. No XXI, Maria Luís Albuquerque teve cá Uma Lata (trocadilhos terríveis vão pagar imposto, evitar).

A ministra das Finanças lembra, com razão, que a dívida continua a diminuir, já que as contas públicas vão ter um saldo primário (sem juros) positivo. Positivo, positivo... embora contando com os juros seja uma lástima. Espera-se que a dívida que, antes de entrar em cena este Governo seria de cerca de 90% do PIB, e agora vai em 131%, desça já para o ano para os 123,7%. A não ser que a gente se engane e afinal suba para os 140%, ó diabo, estas coisas só acontecem a quem se mete nelas.

Voltando à Fiscalidade Verde, contemplará excepções ecológicas que vão beneficiar as famílias portuguesas mais cumpridoras. Por exemplo, o casal Passos Coelho e Miguel Relvas poderá aderir ao regime de exclusão total pelo seu contributo para a protecção do Ambiente, através dos cursos da Tecnoforma. No passado (2003

2004), este agregado familiar conseguiu formar quase 1000 técnicos de aeronáutica para servirem em aeródromos inactivos ou inexistentes no Centro de Portugal. Isto é, sem ter de pôr quaisquer aviões no ar, o que significou uma taxa de emissão de carbono perto do zero, em troca de um contrato de 1,2 milhões de euros da União Europeia pré-troika (com Durão Barroso a primeiro-ministro e Relvas secretário de Estado, curioso apêndice).

A prostituição, que em 2015 finalmente conta (não há como propostas realistas irrealizáveis) na avaliação do PIB nacional na União Europeia, também vai contribuir na Fiscalidade Verde, ou melhor, cor-de-rosa: a sobretaxa extraordinária das cuequinhas marotas. Quem pedir factura com número de contribuinte no registo electrónico do seu lupanar, candidata-se automaticamente ao sorteio de limousine com banheira de champanhe.

Como diz o primeiro-ministro, este é “um orçamento de realismo” e “não é feito a pensar nas eleições”. Chama-se a isto, em psiquiatria de café, uma denegação. Fala-se na coisa dizendo o seu contrário, como aqueles amantes abandonados que dizem “odeio-te, detesto-te, desprezo-te, tu para mim já não significas nada, [meu amor]”.

Ainda sobre realismo, o Orçamento do Estado 2015 contém, em apêndice, uma salvaguarda fiscal no caso de ataque ao planeta Terra pelas naves Klingon, esses humanóides nossos inimigos, com ossos saídos na testa e uma resistência fora do vulgar — têm dois corações, dois fígados e vários estômagos, como Passos Coelho. A equipa da Star Trek vai salvar-nos a todos. Mas quem vai pagar o combustível atómico da Enterprise, caro para caraças, são os abonados com rendimento social de inserção. A medida não é eleitoralista, mas tem de ser, como explicam os invasores.

Quanto a teletransportarmo-nos para um sítio melhor na Europa (“Beep me up, Scotty”), têm prioridade os visa gold chineses e brasileiros, os Espírito Santo mais calados e quem ainda tiver o telefone facilitador de Relvas. Em breve, nas sedes distritais do PSD e CDS, abrirão os primeiros cursos de formadores de teletransporte. Beep-me up, Pedro.     

Sugerir correcção
Ler 1 comentários