Estamos a viver no passado. Tudo o que se passa aqui e agora vai passar. A consolação maior - this too shall pass - evita, com sonsa hipocrisia, incluir as nossas próprias vidas, que também tem os dias contados
As nossas próprias mortes deverão ser bem-vindas se interromperem o sofrimento, o cansaço e a dor, a humilhação e a fartura de viver mal os momentos cada vez piores - garantidos - das nossas vidas.
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O PÚBLICO é um jornal livre, jornalístico, entusiasta, tão bem-humorado como bem informado. É um monumento volátil e esperto; aéreo e rápido, escrito e feito com os olhos de quem escreve e de quem lê.
O tempo é o factor que não faz mais nada senão lembrar-nos que dantes não era assim e que doravante também não será.
O tempo é como o clima. Não é por acaso que se confundem na língua portuguesa. Estamos a viver no passado, graças a Deus. O futuro é o diabo. O futuro há-de sempre ser pior.
O tempo é uma rasteira. Os relógios são os piores intérpretes dele.
Há 25 anos, em 1990, todos nós tínhamos menos 25 anos do que hoje temos. Será possível termos saudades desse tempo? Não, por não haver maneira de nos lembrarmos dele.
O tempo não é uma dimensão: é mais como uma atitude. O tempo é a maneira como ligamos à passagem dele. Para quem está e continua apaixonado o tempo é uma prova de insistência emocional e de teimosia romântica que não só não morre como acorda todas as manhãs, igualzinha.
O amor é uma razão que não sabe. Sofre e guarda o sofrimento para mostrar. O tempo é uma corrida para a morte. A morte é má mas correr é bom.
O tempo é um vadio e nós passeamos na vadiagem dele. Nada se ganha (ou se perde) em ser-se preciso. À Espera de Godot é a obra de arte mais divertida e preciosa sobre o tempo.
O milagre está sempre escondido. A maravilha, quando surge, nunca é reconhecida. Mentira. Às vezes é reconhecida.
O resto é a melhor música de sempre.
O tempo mais difícil de adivinhar é o presente. O presente é o tempo mais delicioso. Não dar por ele, nem mesmo por um breve momento de gratidão, é o maior prazer de todos. Esquecermo-nos que estamos cá, por estarmos tão embrulhados no agora, é uma distracção egoísta que mostra a alegria e a estranheza e a raridade de um só ser existir neste mundo e neste tempo.
Lembrar o tempo é um dever. Esquecê-lo é um prazer que só o tempo - por deixar-se perder - pode dar. No meio das verdades inexoráveis - dos nossos princípios e fins, com os nossos crescimentos e as nossas decadências entre uns e outros - a vida que resta é enorme.
A tristeza é tão reverencial e atenta como a alegria. Só o tédio é um desperdício, no caso duvidoso de não dar prazer a quem o alcança.
O tempo é o que levou a escrever e a ler isto. Não é um mistério. O mistério, glorioso, é ler e escrever e estarmos aqui para dizer estes sublimes disparates.
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