O empresário com química

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É o inventor da expressão patusca da “visão helicóptero”. Isto é, o Homem Sonae deve saber elevar o seu olhar acima dos outros e ver o mundo de um ponto de vista elevado e abrangente, conquistador, superior, mas cuidado com essas hélices nos postes da luz, estamos fartos de acidentes parvos.

Belmiro Mendes de Azevedo (Tuias, Marco de Canaveses, 17 de Fevereiro de 1938). Uma infância talvez marcada por perguntas cruéis como “Tuias, mas tu ias onde?, deixa-te mas é ficar rapaz”. Mas ele não ficou, nem se ficou.

Filho de carpinteiro-agricultor e de costureira, fez um império com cerca de 40 mil trabalhadores, um volume de negócios de mais de cinco mil milhões de euros em 2013. Em 2014, alcançou a 687.ª posição no índice dos mais ricos do mundo da revista Forbes, ora isto é muito esparguete, muito telemóvel, muito bacalhau e comida para gato, muitas lâmpadas, fraldas e cuecas. Mas Belmiro defendeu uma vez em público que, “se não for a mão-de-obra barata, não há emprego para ninguém” e — sobre o TGV e outros grandes projectos que estavam para falhar (como ele bem adivinhava) — “quem não tem dinheiro não tem vícios”.

Na juventude foi jogador de andebol de elite no Futebol Clube do Porto, do qual continua adepto. É também sócio honorário do Futebol Clube Marco de Canaveses, para o qual podia comprar o Cristiano Ronaldo, se lhe apetecesse tentar o negócio da bola como os empresários russos, ele está em blackout no Real Madrid mas consigo fala, aqui está uma boa ideia para a sua reforma.

Mais tarde, para combater o stress, Belmiro fez-se um temível jogador de squash (em português, “esmaga”) e num ainda mais terrível esmagador de players rivais nos negócios. Desconfia-se que venceu, aliás, o quase invencível cancro do pâncreas, convidando o estúpido cancro para uma partida amigável de squash e aí esmagou-o à raquetada num canto do court.

Foi um aluno brilhante de Engenharia Química na Faculdade de Engenharia do Porto, depois diplomou-se em Finanças na Universidade de Stanford, Califórnia, uma das mais prestigiadas do mundo. No entanto, há dias, a reportagem da RTP anunciou que Belmiro chumbou na 1.ª classe (!), apresentando, como prova, as imagens da leitura de um seu poema de adulto, escrito à maneira de criança que aprende as primeiras letras:

Com muito trabalho alcancei sucesso

Com o tempo a liberdade de dizer o que penso

Embrulha Fernando P., aguenta Mário C., engole Bocage, torce-te nos Jerónimos Luís Vaz.

Tem três filhos, todos ases da gestão empresarial, Paulo, Cláudia e Nuno.

Belmiro resolveu agora, aos 77 anos, abandonar todos os cargos na Sonae, passando o testemunho a uma liderança bicéfala: o filho Paulo passa a chairman e co-CEO, em parceria com o vice-presidente do grupo, Ângelo Paupério, que quer dizer “Anjo Pobre”. Um nome que ou é brincadeira, ou é simbolismo, ou é futura malapata sobre a obra do homem mais rico de Portugal.

Gosta de sardinha assada com arroz, parece que é uma coisa do Norte profundo e verdadeiro. E faz um (discreto ainda, mas bom e barato) vinho verde na sua quinta que entusiasmou, com tanta verdade e desinteresse, um senhor da secção de vinhos do Continente Vasco da Gama

— É cá uma pinga, e feita por ele, feita mesmo por ele na quinta dele, e a este preço... Só manda às vezes, aproveite!

que deviam encontrá-lo (é assim para o moreno e magro) e nomeá-lo Funcionário Sonae do Ano.

Há anos popularizou-se como boneco — na personagem do Contra-Informação — “Belmiro Mete-Medo, o Homem Choné, o Bill Gaitas português”. Uma flagrante injustiça porque Bill Gates pode ter o seu génio, influência e fortuna, mas nunca revolucionou o mundo com a ideia de criar uma cadeia de hipermercados abertos aos domingos e feriados, com uma fila de caixas que nunca mais acaba e que até meteu empregadas giras em patins. Além disso, Bill Gates fez a Microsoft mas nunca realizou o sonho de enterrar milhões num jornal de referência, durante 25 anos, sem poder meter o bedelho mesmo quando escrevem mal dele. Por outro lado, Gates dedica a reforma a combater a malária, uma doença que ainda faz mais mortos no mundo do que o jornalismo independente. Por enquanto — como vai o mundo — por enquanto.

Na única vez em que Belmiro conversou com o criador do Homem Choné foi muito simpático e limitou-se a dizer, sorrindo

— Belmiro Mete-Medo porquê se eu não meto medo a ninguém, medo a ninguém, Belmiro Mete-Medo porquê se eu não meto medo a ninguém, a ninguém...

com aqueles olhinhos coruscantes que despertam um sentimento saudável de arrangem-me-um-buraco-para-me-enfiar.

Mas quem tem poder pode dizer o que pensa, como disse o poeta. E um dia Belmiro disse

— Cavaco é um ditador o que mostra que tem visão política, além de helicóptrica. Por outro lado, nas últimas legislativas apoiou Passos Coelho — homem que afinal não é perfeito, contra todas as expectativas — e que se prepara para fundar a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas por Pagar.

Mas havia uma razão para escolher o Pedrinho mentiroso. Belmiro cortou relações com José Sócrates quando o então primeiro-ministro usou a golden share do Estado para inviabilizar a OPA da Sonae sobre a PT (estranho caso de amnésia zeinalbavadiana). Hoje, nem sequer pensa em usar a sua visão helicóptero para observar um tal de “preso 44” a fazer jogging num pátio fechado de Évora. A não ser que lhe estejamos a dar mais uma boa ideia para desfrutar a reforma.

Muitos e longos anos, sr. engenheiro Belmiro.

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