Para ir e voltar

Foto

O aeroporto do Porto, que por acaso fica na Maia, e se chama Aeroporto Francisco Sá Carneiro, é bonito. E confortável. Uso-o amiúde, embora não tanto quanto gostaria. E fico sempre um pouco amuada quando o meu ponto de partida ou chegada tem de passar por Lisboa, por aquele aeroporto grande e caótico, em vez do aconchegado, moderno e bonito aeroporto da minha cidade. Acho que é algo comparável a ver um concerto num estádio ou no Rivoli. O segundo é sempre mais pessoal.

Quando fiz do aeroporto meu, pela primeira vez, tornando-me passageira, tinha 17 anos. Ia para a Alemanha, gozar um prémio escolar, na companhia de estudantes da minha idade, que eu não conhecia de lado nenhum. Ia sozinha, embora acompanhada por estes desconhecidos, até um dos maiores aeroportos do mundo, o de Frankfurt. No momento do check-in, no tempo em que um bilhete de avião ainda significava um caderno considerável de folhas, uma das raparigas que iria viajar comigo, e cujo bilhete de identidade, com uma fotografia ainda a preto e branco eu estranhara, ficou retida. O BI tinha caducado. Não podia partir. Eu só pensava que, se aquilo me tivesse acontecido, ficaria sem coração. Uma aventura daquelas, ali, prestes a começar, e barrarem-me, assim, o acesso? Naquele dia, ela não viajou connosco. Ficou em terra, como se diz. Mas apareceu mais tarde, no dia seguinte ou talvez no outro, depois de a família ter custeado um BI de emergência.

Essa foi a primeira vez que passei pelas formalidades do check-in, quando elas ainda eram formalidades a sério, quando ainda se despachava bagagem por tudo e por nada, e qualquer viagem era garantia de uma refeição grátis. Foi a primeira vez que entrei num avião e experimentei a simplicidade de apertar o cinto. Mas o aeroporto já não era propriamente uma entidade desconhecida.

Alguns anos antes tinha sido dali que a minha irmã mais velha tinha partido e regressado de um curto período de emigração nos Estados Unidos da América. Não me recordo de a ter acompanhado na partida ou na chegada. Mas sabia de onde é que ela saíra, porque o aeroporto era uma presença assídua no meu Verão.

Fotogaleria

Mal o calor se anunciava, na altura em que a praia ainda não me cansava ao fim de duas semanas, eu apanhava boleia com a família de uma amiga e ia para o areal e o mar de Agudela, de manhã à noite. Montava-se uma barraca de tecido azul-marinho, onde almoçávamos e fazíamos de conta que nos escondíamos do sol nas horas mais quentes. E o caminho para lá corria, durante parte do trajecto, ao longo da pista do aeroporto.

Enquanto o carro rodava, esticávamos o pescoço para ver se algum avião se preparava para aterrar ou para levantar voo. Parados nos descampados em torno, namorados e famílias ou grupos de amigos empoleiravam-se nos carros e ficavam a ver passar os aviões.

Nessa altura, o aeroporto era ainda de Pedras Rubras, mas em 1990, com a inauguração da nova aerogare, mudou de nome para Francisco Sá Carneiro. Se descontarmos as entidades oficiais, acho que poucos o tratam pelo nome. Ainda hoje ele é Pedras Rubras ou do Porto. Podemos ser irónicos, dando a um aeroporto o nome do primeiro-ministro que morreu na queda de um avião quando se dirigia para o Porto, mas não tanto…

Há dias, uma amiga colocou no Facebook uma foto de 1947 do aeroporto, partilhada pela página Porto Desaparecido (que publica imagens antigas da cidade). Inaugurado apenas dois anos antes, em 1945, o aeroporto era um pequeno edifício, que podia ser a habitação de alguém, com pequenos aviões, que mais parecem de brincar, no pátio de uma criança.

Este ano, o aeroporto faz 70 anos, lá para Dezembro. Cresceu e modernizou-se. Os bilhetes são dispensáveis. O check-in pode ser um código no telemóvel. E a mala vai muitas vezes comigo, leve sobre as suas rodas. É bom chegar à zona de embarque e encontrar alguém a tocar piano. Ou ter água gratuita à disposição. Poder estender as pernas num cadeirão confortável ou utilizar um dos computadores disponíveis. E não há que temer ir à casa de banho, porque está sempre limpa e até costuma ter flores naturais. Eu gosto do meu aeroporto. E uso-o sempre que posso. Mas não me importava de o fazer mais vezes.

Sugerir correcção
Comentar