Portugal: Uma geração depois

Com sorte, em Setembro deste 2040 faço 83 anos. Sou da quarta idade, um idoso com nível superior de escolaridade, licenciatura em História e que usa as novas tecnologias. Desde sempre. Nós, os octogenários, rivalizamos, em número, com os menores de 15 anos. Nunca, na história, avós e netos estiveram em pé de igualdade. Faço parte do maior contingente de eleitores, nós, os votos grisalhos com mais de 60 anos, somos maioria nos cadernos eleitorais. Nunca fomos tão mimados pela propaganda política… Tenho ao meu dispor serviços privados para o meu bem-estar. Chamam-lhe a “indústria” prateada porque age no mercado e nada tem que ver com o antigo Estado-providência. A cor prateada é para distinguir da indústria verde e dos direitos ambientais que estão em voga.

Recorro, também, ao sector social, hoje formado por profissionais contratados. Como vão longe os tempos do voluntariado! Tenho uma reforma a tempo parcial e, depois de jornalista, cumpri um dos objectivos da minha longínqua juventude — um bar na praia. Fundei, já grisalho, um centro de investigação social com colegas de sempre. Contas feitas, tive mais de duas carreiras profissionais, o que hoje é comum.

Tenho tempo para estar com a descendência. Agora, mais que jornadas intensivas de horas acumuladas, como eu fiz durante décadas, o meu filho e os seus amigos são avaliados pelo mérito. Os avanços da medicina afastaram as nuvens negras da demência e do Alzheimer que afectaram os meus antecessores. Já não estou sozinho com a minha diabetes tipo 2. Somos uma legião. E os cancros são menos letais. Vou a hospitais onde me oriento melhor: agora são mais pequenos. Revejo nas novas doenças infecciosas que saltam as fronteiras a repetição da história. Algo em que nunca acreditei. Participo, como cidadão atento, na batalha contra a indústria alimentar e farmacêutica, por comida mais sã e medicamentos mais baratos.

Os funcionários do supermercado onde me abasteço são africanos que estão a povoar este país quase deserto de almas. No espaço de quatro quarteirões em redor da minha casa, passo por templos de três diferentes religiões. A multiculturalidade instalou-se à volta da minha casa. Como português, sinto-me acompanhado. Em breve, no final do século, somos 400 milhões de falantes da língua portuguesa no mundo. Tenho o conforto de saber que seremos mais, pois o português é um dos seis idiomas em ascensão. Com o mandarim, o hindu, o inglês, o espanhol — que também domino depois de 20 anos em Madrid como correspondente do PÚBLICO — e o árabe.

O meu filho vai aos grandes espectáculos nas arenas. Eu prefiro os pequenos teatros, os recitais intimistas e os cinemas estúdio. Sei que faço parte de uma minoria cultural. Mas não me importo. Lamento a ausência das grandes orquestras de música clássica. E confesso: a transmissão pelos novos sistemas audiovisuais interactivos não me agrada. Falta a solenidade do vivo, o olhar curioso à entrada do maestro, a comoção do encore. Ajusto a minha vida, e a memória que ainda tenho, ao rebuliço da vida afectiva das gerações mais novas. Vivemos, dizem os especialistas, em época de maior rotação nas relações emocionais. Quanto a mim, faço o que posso. Mas não me adapto.

Assim será Portugal em 2040, na antevisão permitida pelas tendências demográficas. Seremos mais ricos ou continuamos pobres? Mais competitivos ou com menos competências? Mais justos ou menos solidários? A precariedade continuará a marcar as relações laborais? Permanecerá o abandono escolar ou o ensino valorizará a criatividade? O isolamento será uma constante? Teremos mais tempo para o lazer? Vinte e dois especialistas fizeram a antevisão. Num misto de desejo do melhor, por conhecer. E de receio do mau, já conhecido.

“O presente é o coração do passado e do futuro.” A frase de Santo Agostinho é citada pela professora de Filosofia Maria Filomena Molder para destacar a importância do tempo que vivemos. “Um real tumultuário, confuso”, diz. “Santo Agostinho também falava de uma memória do futuro, que é a antecipação, não é adivinhar o futuro, essa expectativa tem que ver com o desejo”, assinala. Ou seja, não há lugar a uma mirífica “bola de cristal”. A volatilidade marca os acontecimentos e, desde há décadas, que a aceleração da história deitou por terra a perenidade dos prognósticos.

Maria Filomena Molder não tem um cardápio para o futuro. Mas aponta males que teme continuarem. “A desvalorização do social provocou um grande mal-entendido, a idolatria da inovação é uma cegueira, as humanidades são as actividades que dão cimento às sociedades humanas”, lembra. “A consideração que o cérebro tudo decide é de uma redução assustadora, o cérebro substituiu a alma”, enumera. “Há um recrudescimento do autoritarismo num sistema muito autocontrolado, no qual as liberdades são cada vez mais formais.”

“Os sistemas electrónicos de comunicação, os jogos, são experiências solitárias que no futuro se vão acentuar”, lamenta. “As tecnologias electrónicas propiciaram uma espécie de substituição comunitária, as pessoas estarão cada vez mais isoladas, serão criados pequenos grupos para compensar a dissolução.”

Já as previsões da demografia consolidam tendências. “Em 2040, haverá três milhões de pessoas com 65 e mais anos, dos quais um milhão na faixa etária acima dos 80, o único grupo etário que aumenta”, aponta a socióloga Maria João Rosa Valente. Os octogenários serão em número idêntico aos menores de 15 anos. “Os idosos do futuro serão mais qualificados, com nível superior de escolaridade, mais próximos das novas tecnologias e vão viver mais tempo”, destaca a directora da Pordata: “Neste momento, não estamos a aproveitar o capital humano mas a acentuar a situação de dependência dos idosos e a cortar a sua autonomia.”

Com estes dados, a especialista antevê problemas. “Se assim continuar, teremos uma sociedade muito mal-disposta, com idosos e jovens em tensão, dois a três idosos por jovem”, relata. “Ou as pensões de reforma diminuem ou as contribuições aumentam ou aumenta a idade da reforma”, sintetiza. Manter em actividade os idosos é o desafio para conseguir o equilíbrio. “O trabalho deverá acompanhar a vida das pessoas, de forma mais intensa nas faixas etárias centrais, as reformas serão a tempo parcial e passarão a existir as segundas ou terceiras carreiras”, descreve. “Não haverá um emprego para a vida, mas a sucessão de projectos onde o mérito supera o número de horas trabalhado”.

Com menos população e mais envelhecidos, os portugueses vão estar numa sociedade diferente. “Estaremos abaixo dos dez milhões de habitantes, oito milhões nos cenários mais negativos, num país mais multicultural pela imigração”, afirma a socióloga. O que aconselha planeamento: “Portugal deve potenciar o factor positivo da imigração, tentar encontrar a forma para que os imigrantes encontrem o seu espaço, contra a lógica do invasor que nos vai tirar o emprego.” A emigração dos últimos anos vai continuar. Com mudanças. “A competição por cérebros no mundo vai ser muito mais aguerrida e será uma emigração menos familiar”, sublinha.

Dentro de 25 anos estarão consolidadas algumas das actuais tendências. O urbano e as formas de vida a ele associadas triunfam. Haverá, pois, ainda maior concentração no litoral e nas áreas metropolitanas, aumentando os actuais desequilíbrios. Também se afirmam novas formas de família. O casamento já perdeu o papel ligado à procriação — é agora de 50% o número de nascimentos no seio de relações de facto — e a família passará mais pela relação emocional de duas pessoas. Esta descrição de Maria João Rosa Valente não esquece outras realidades: “Está a aumentar o número de filhos de pais não casados e que não coabitam, vivem cada um em sua casa com uma relação estável, agora são já 15% quando em 2000 eram, apenas, 5%.” São o que os estudiosos franceses chamam “solitaristas”, cujo perfil em Portugal é ainda desconhecido.

Seremos mais felizes? “Tudo depende do que fizermos agora”, responde a socióloga. Telmo Baptista, bastonário da Ordem dos Psicólogos, está optimista. “Em 2040 vamos ter grandes progressos nas áreas da demência e do Alzheimer, o que é importante por estarmos perante uma população envelhecida”, afirma. “Com o aumento da esperança de vida, vamos ter mais oportunidades para tudo”, acentua.

Mas não esconde um receio. “A assimetria deste bom futuro, temo que o progresso não chegue a todos, como já acontece na Saúde e na Segurança Social”, explica. “Gostaria de uma sociedade que fizesse mais prevenção da saúde mental, dando mais competências às crianças para lidar com o mundo, o que não está garantido.” Na sua mente estão os 20% de portugueses actualmente afectados por perturbação mental ao longo da vida.

E no futuro? “As diferenças que vão existir em 2040 vão ser grandes mas talvez não cheguem à falta de controlo que agora conduz à ansiedade. A não ser que continuem as necessidades que hoje levam à ansiedade face ao futuro.”

O especialista diz que haverá novas formas de convivência favorecidas pelas tecnologias. Refere que hoje 73% dos casamentos se dissolvem e admite, num futuro a 25 anos, uma maior rotação relacional. “As relações emocionais vão ser sempre a pedra de toque por muita racionalidade que se coloque no sistema”, garante. “O que nos segura são os valores, a lealdade e a honestidade.”

Elza Pais, ex-secretária de Estado para a Igualdade, no governo de José Sócrates, concorda com a consolidação de novas formas de famílias, aliás já em curso. “Devem ser famílias de afectos, de laços. Teremos sempre vários tipos de famílias que se conjugam”, assegura. “Tenho esperança de ultrapassarmos as barreiras jurídicas da discriminação de género e de orientação sexual para termos uma sociedade mais justa e equilibrada para todos”, assinala. “Haverá em 2040 mais mulheres na política, a quota da paridade já estará ultrapassada, o que pode transformar as culturas organizacionais”, admite: “Acredito também que a economia solidária, mais amiga das pessoas, venha a ter mais importância no futuro.”

A solidariedade foi o lado surpreendente, uma espécie da boa face da moeda da crise. Perante a acuidade das dificuldades, concertaram-se vontades, ergueram-se organizações e apoiou-se o vilipendiado sector social. São expressivos os números desta urgência: um milhão de portugueses vivem com menos de 180 euros mensais e dois milhões com menos de 400.

“Em 2040, devido ao envelhecimento da população, o sector social, vocacionado de início para a assistência às crianças e à juventude, vai ser solicitado a apoiar a terceira idade”, reconhece Isabel Jonet. “As pessoas nos últimos cinco anos de vida gastam 80% dos seus rendimentos em saúde.” O que, para a presidente do Banco Alimentar, implica uma alteração. “O sector social ainda se baseia muito, pela sua ligação à Igreja Católica, no voluntariado que, dentro de 25 anos, será uma intervenção cívica menos ligada às congregações religiosas e com técnicos assalariados.”

“Não gostaria que a Cáritas e as outras organizações continuassem a apoiar as necessidades mais básicas porque, então, não haveria liberdade nem democracia”, perspectiva Eugénio Fonseca. “Se tudo correr bem, a Cáritas dedicar-se-á, no futuro, mais à situação internacional, aos fluxos migratórios”, deseja o seu presidente.

Os votos do padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, também são claros. “A sociedade vai mudar, isto é desumano, tem limites, há mais de dois milhões de portugueses em risco de pobreza”, sublinha. Se assim for, Portugal será mais justo e equitativo. “Porque se repôs de novo a pessoa humana no centro das preocupações, a manter-se o cenário actual teremos uma realidade desigual e injusta, com um grande empobrecimento”, argumenta.

“Vai aparecer uma quarta idade, acima dos 85 anos e, embora a terceira idade tenda a ser cada vez mais activa, tem de haver uma resposta social inovadora”, reconhece o economista Bagão Félix. “Vamos ter o aumento exponencial da indústria prateada de cuidados médicos, serviços assistenciais e de lazer para aumentar o bem-estar das pessoas mais velhas e diminuir o seu grau de morbilidade”, refere. Será uma oferta paga e privada, hoje já existente, mas que vê incrementado o seu mercado devido ao aumento de esperança de vida.

Em aberto fica o espaço para quem não puder pagar. “Sendo necessários cuidados mais profissionais e técnicos, donde mais caros, implica que as instituições mais próximas da sociedade ou das igrejas intervenham”, afirma. “Hoje, esta oferta solidária, de proximidade, é uma mistura de carenciados e de pessoas que pagam bem”, analisa.

No futuro, será diferente. “Haverá uma segmentação, espero que não ao estilo dos asilos dos anos 50 do século passado”, adverte. “Há duas possibilidades, os mais velhos no seu habitat natural, a sua casa, com a família e o universo de vizinhos e amigos, portanto em comunidade, ou institucionalizados, em lares”, continua: “Receio que venham a ser mais institucionalizados.”

No entanto, ser idoso dentro de 25 anos não equivale a não ter voz, a estar à margem das decisões. “Em 2040, as pessoas com mais de 60 anos serão a maioria absoluta dos eleitores, vão ser um alvo potencial e apetecido dos concorrentes ao poder”, afirma Bagão Félix. O voto será uma arma não desprezível, pois, do comportamento da sociedade do futuro para com os seus idosos, o economista não espera favores nem tem ilusões. “Vigorará uma maior individualização dos comportamentos, uma virtualização das atitudes e há duas questões fundamentais para os idosos”, relata. “A solidão, que será menor porque haverá velhos menos info-excluídos, e a segurança, que obrigará a novas respostas, como a permanência dos idosos em centros de noite.”

Carlos Farinhas, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e membro do Observatório sobre a Pobreza, situa a questão no patamar dos princípios. “A assistência do Estado e da sociedade civil tem de ser mais profissional”, reconhece. “A atitude dos diversos órgãos da sociedade tem de ser articulada pelo Estado, baseada no reconhecimento do direito das pessoas, numa estratégia de combate à pobreza e exclusão social”, diz. “Minámos as bases da solidariedade entre pessoas e gerações, o que vai demorar anos a reparar”, observa.

“Há 20 anos, a taxa de pobreza dos idosos era de 40%, há uma década de 15,1%, houve uma melhoria espantosa que se explica por as pessoas virem de uma carreira contributiva mais completa e com salários mais altos”, recorda. Um trabalho que as medidas de austeridade desgastaram. “Estamos a comprometer o presente e o futuro”, sentencia. “Hoje, entre os que têm trabalho, 10% são pobres”, exemplifica o professor do ISEG.

“Temos também níveis elevados de pobreza nas crianças e nos jovens, em 2009 reduzimos a sua pobreza para 17% e desde então o processo de diminuição foi quase nulo”, analisa. Os cortes nas políticas sociais deixaram marca. “A qualidade do país em termos sociais dentro de 25 anos depende da quantidade e qualidade do investimento feito na educação, a mais trágica medida foi o abandono da formação de adultos [Novas Oportunidades], que não era perfeito”, relata. Sem correcções, o futuro é pintado em cores sombrias. “Teremos uma sociedade mais dual, mais afastada dos padrões europeus, com menos competências, indivíduos menos inseridos socialmente e uma economia menos competitiva”, concluiu.

O aumento da esperança de vida tem repercussões na saúde. “Vamos ter uma população mais idosa, com mais doenças crónicas, como as oncológicas e, a seguir aos cancros, a progressão da diabetes tipo 2 é a que mais preocupará”, assinala Francisco George, director-geral de Saúde. António Correia de Campos, ministro da Saúde do governo de José Sócrates, tem o mesmo diagnóstico. “Haverá mais cancros, mas serão menos letais, porque detectados mais cedo, fruto de uma maior prevenção, e tratados com medicamentos mais eficientes”, anota.

“São doenças que têm uma relação directa com a alimentação e o excesso de liberalismo no açúcar, sal e gorduras da indústria alimentar”, refere Francisco George. Responsabilizar as indústrias alimentar e farmacêutica vai ser uma frente dos próximos 25 anos da saúde pública. “Em 2040, seremos uma sociedade de cidadãos mais informados, com maior grau de exigências, que participam activamente na identificação e solução dos problemas de saúde”, perspectiva.

Quanto às implicações no futuro da saúde de jovens e adolescentes menores de 18 anos, 24,4% dos quais em risco de pobreza, o governante não arrisca previsões. “Esses indicadores mostram uma resiliência surpreendente, mas os indicadores de saúde não reflectem imediatamente os problemas sociais”, explica. “Os últimos dados são muito decepcionantes”, reconhece.

“Este modelo de financiamento do Serviço Nacional de Saúde [SNS] de oito mil milhões de euros não pode ser mantido, não conseguirá responder às necessidades de 2040”, admite. “Vamos ter de inventar outro sistema, há soluções mistas com os seguros, mas a minha preferência como especialista é sempre a protecção do Estado social e a gestão rigorosa dos meios públicos para diminuir desigualdades e iniquidades”, argumenta.

Pedro Pita Barros também admite alterações. “A garantia da sobrevivência do SNS terá de resultar de uma organização diferente, que não será obrigatoriamente mais pesada do que a actual”, salienta o catedrático especialista em Economia da Saúde. Para isso, aponta mudanças organizacionais e na forma como os cidadãos encaram e promovem a sua saúde. Segundo Correia de Campos, o actual modelo do SNS é sustentável. “O que há a fazer é desmontar cartéis e, no futuro, vamos ter demoras de internamento mais curtas”, garante.

Os três peritos concordam num reequilíbrio do peso actual dos centros de saúde, das camas de agudos em cuidados paliativos e camas de crónicos em cuidados continuados. “Será uma divisão menos hierárquica e outros modelos de gestão deverão surgir”, admite Pita Barros. “No futuro, os hospitais vão ser mais pequenos, para doenças correntes, e nas áreas onde há mais jovens”, antevê o ex-ministro.

O antigo governante socialista admite que, fruto dos movimentos populacionais, vamos ter novas doenças transmissíveis, “transfronteiriças, novas infecções respiratórias, a recente crise do ébola pode ser o modelo do que se vier a passar”, refere. “Se a economia melhorar, os futuros imigrantes que vamos ter são da sua maioria de África, e isto devia ser pensado atempadamente”, recomenda.

Os indicadores da pobreza juvenil, de crianças que vivem em famílias pobres, são eloquentes: em 2012, são 25%. Qual o futuro destes jovens? “As sequelas serão enormes, a ideia de que a partir do momento em que a economia crescer a situação se resolve não é verdade”, afirma Renato Miguel do Carmo, sociólogo do ISCTE. A precariedade pode não ser, apenas, um fenómeno da crise na fase aguda.

Sem mudanças, traça um quadro negro. “Teremos um Estado social mais anglo-saxónico, protecção social cada vez mais reduzida e um retrocesso no mundo do trabalho”, anota. “Se as desigualdades continuarem — actualmente os 10% mais ricos em Portugal ganham 11,1 vezes mais que os 10% mais pobres —, seremos uma sociedade insustentável, envelhecida, pobre, de emigração, o país deixa de ter recursos para dar a volta”, insiste.

“Hoje, as taxas de sindicalização são bastante baixas”, anota. O que levará a alterações não apenas no domínio das relações laborais. “A perda de importância dos sindicatos enfraquecerá a concertação social e haverá espaço para outras formas de expressão social”, diz.

Luis Moita, catedrático de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa, só fala de 2040 com outro rumo. “Tenho a expectativa de que dentro de um quarto de século a sociedade recupere da depreciação do valor do trabalho”, explica. “Então trabalharemos menos, haverá mais equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e viveremos numa sociedade de lazer”, anuncia.

Será um tempo diferente. “Há uma nova geração de direitos humanos, não só cívico-políticos nem económicos e sociais, que prevejo se irão desenvolver nas comunidades”, afirma. São os direitos dos consumidores, o direito à água e ao respeito ambiental. “Com o envelhecimento da população portuguesa, vamos ser um país carente de imigrantes, que deveremos designar como novos europeus, e que devem ser acolhidos na pluralidade dos seus direitos”, refere.

As previsões demográficas asseguram para a educação menos alunos, professores e escolas para 2040. “Teremos um ensino mais qualificado, com menos ineficiências, redução do abandono e insucesso escolar, para assegurar mais equidade social”, estima David Justino. O sociólogo, antigo ministro da Educação de Durão Barroso (2002-2004) e presidente do Conselho Nacional de Educação, aponta a meta para dentro de 25 anos. “O problema é qualificar as pessoas, tem de se investir na qualidade da aprendizagem, pois a sociedade do conhecimento a isso vai obrigar”, insiste.

“Nos últimos 15 anos, criámos mais expectativas que oportunidades, o pior que aconteceu foi criarmos uma geração de desiludidos que não se revê no esforço feito, com desemprego ou emprego sem condições”, lamenta. “Há um novo padrão de conhecimento que entra em choque com a realidade social e temos de criar um percurso profissional”, reconhece. “Temos um défice na promoção dos valores democráticos, dos direitos humanos, em 2040 temos de incluir esta dimensão política da cidadania no ensino”, prevê. “Dentro de 25 anos, haverá um equilíbrio entre o ensino público e o privado, desde que a escola pública evolua e se qualifique, a ideia de uma maior privatização é algo que não vejo como razoável”, afirma.

Narrativa diferente é a de Jorge Ramos do Ó, historiador da Educação. “Há a ideia de que o futuro da educação vai ser diferente, o que tem permitido manter o sistema e achar que todas as crianças devem aprender da mesma maneira”, critica. “Hoje o que sabemos é que não sabemos quais vão ser as competências do futuro”, avisa. E “o hoje” decorre ao arrepio do que o especialista considera fundamental: “O actual modelo de reprodução do conhecimento, não da descoberta, é um desperdício, deve-se valorizar a criatividade e a experimentação.”

A crítica prossegue. “O que os jovens aprendem na escola é para eles, e para a sociedade que aí vem, obsoleto e inútil”, sublinha. Assim, o debate ensino público versus privado tem outra dimensão. “A escola privada aposta tudo nos exames, na dimensão não experimental, e ganha à escola pública porque é isso que as elites querem”, sintetiza.

É no passado recente, os anos pós-adesão à então Comunidade Económica Europeia, que os economistas procuram o esteio do futuro. “É a experiência comparável”, refere Pedro Lains, professor do Instituto de Ciências Sociais: “Se não houver conflitos na Europa, seremos uma economia aberta com 80% de serviços, com um nível de produtividade e rendimento per capita não muito diferente do actual, ou seja, não haverá convergência com a Europa.” Em contrapartida, não haverá problemas de financiamento externo. “Numa economia de serviços e com fluxos financeiros a correr livremente, deixará de haver défice financeiro”, antevê. “Será uma sociedade melhor pelos investimentos que têm sido feitos em infra-estruturas e educação, haverá alta velocidade ferroviária na ligação à Europa, um novo aeroporto e o porto de Sines será uma relevante porta de entrada de produtos”, conclui.

“Se aprendermos com os erros, se tivermos um discurso realista e uma estratégia para o país imune às tácticas eleitorais, podemos encontrar um equilíbrio virtuoso, caso contrário caímos no empobrecimento e desertificação”, afirma António Nogueira Leite. O catedrático de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa estipula uma agenda redentora: consenso político durante duas décadas; reter os jovens que não querem ficar pendentes do Estado; diversificar a economia; criar emprego. “Ter uma taxa acima de sete ou 7,5% de desempregados é ter demasiados problemas sociais e injustiças”, refere.

João Ferreira do Amaral apresenta também uma disjuntiva. “Não temos futuro na zona euro, Portugal definhará, terá menos população, menos actividade económica, não será competitivo, não terá dinâmica ou força anímica, será à escala nacional a cópia do que se passou nos últimos 40 anos no interior do país”, garante. “Fora do euro, o país tornava-se um Estado global no seio da União Europeia, mas aberto ao mundo. O catedrático do ISEG assegura, então, crescimento económico, menos desemprego e emigração: “Com o fomento da imigração, a população rejuvenesceria permitindo manter as políticas sociais e reduzir a pobreza.”

O optimismo marca o futuro da cultura para Guilherme d’Oliveira Martins: “Em 2040, seremos mais cultos, com mais interesse cultural, por uma questão de sobrevivência.” Este optimismo radica na lusofonia. “No final do século XXI, haverá 400 milhões de falantes da língua portuguesa, que será a terceira língua europeia mais influente do mundo”, refere o presidente do Centro Nacional de Cultura. Assim, o provir é risonho: “Seis línguas vão continuar a crescer até ao final deste século, o mandarim, o hindu, o inglês, o espanhol, o português e o árabe.”

“A lusofonia tem de ser vista com muito cuidado, não é uma propriedade da língua portuguesa, é um condomínio”, adverte. “Por uma questão de sobrevivência, o mundo de língua portuguesa necessita de cooperar internacionalmente, não fechar-se”, destaca. Não basta este contentamento. Tem de haver uma mudança de atitude. “A cultura deve ser encarada como um ponto de soberania, de grande consenso, apoiar a gestão cultural não é fazê-la depender da conjuntura e dos ciclos eleitorais.”

“Falar de política cultural é falar da sociedade no seu todo e tem sempre de partir da educação”, refere. “Não há política cultural sem mais qualificação, educação, ciência e formação permanente.” Só a partir daí se podem definir caminhos. “É preciso haver a complementaridade dos apoios públicos e privados à criação, de forma articulada e coerente”, conclui.

Maria João Seixas é menos optimista. “A cultura não é, definitivamente, um valor político para os governantes deste país”, diz a ex-directora da Cinemateca Portuguesa. “É o parente pobre do Orçamento e, no entanto, a cultura é outra forma de dar pão, é um alimento que pode ser de compensação em tempo de crise”, argumenta.

Mas há um factor actual cuja influência, a 25 anos de distância, pode criar dificuldades. “Há uma dimensão terrível, a velocidade — temos consciência de que não temos tempo para ter tempo; sem tempo os poetas abandonam-nos, não há melhor sabedoria do tempo que um poema.” Por isso, o seu desejo: “Quero acreditar que, em 2040, vamos ter mais tempo, o tempo é humanidade, então a sociedade será mais generosa com a vida e com a cultura, esse alimento especial.” Pois o fruir do tempo é lazer e também cultura.

Na gestão cultural, não choca a Maria João Seixas a preferência dos poderes públicos por iniciativas de grande envergadura. “Não desgosto de alguns projectos faraónicos, o rosto do Estado fica mais bem desenhado para a história se assinar alguns grandes projectos”, assume. “Gostaria de sentir que os privados fossem mais sensíveis à aposta em projectos culturais.”

Não haverá espaço para o mimetismo lusitano da aldeia gaulesa de Astérix. Esta é a tese de António Pinto Ribeiro, coordenador da programação cultural da Gulbenkian: “Cada vez mais o que acontecerá em Portugal, pela sua condição periférica, será consequência do que acontecer no resto do mundo.” A questão ambiental joga, neste campo, um papel. Surpreendente. “A legislação ambiental vai afectar a produção cultural”, sentencia. “Terá sentido a circulação de grandes orquestras ou a transmissão do seu desempenho via audiovisual, numa técnica mais desenvolvida que permita a interacção?”, questiona.

Esta será a inovação de 2040. Quanto à gestão cultural não haverá novidades, mas a confirmação das actuais tendências. “Haverá cada vez mais espectáculos de grande entretenimento, as grandes arenas para milhares e milhares, porque é uma aposta publicitária ganha à partida”, indica. “No outro extremo, temos os espectáculos cada vez mais minoritários, com dificuldades de subsistência, a não ser que mudemos para uma economia de sustentabilidade e de educação”, refere.

“A gestão cultural reflecte o tipo de economia capitalista em que vivemos”, pondera. “Os hábitos e comportamentos dos públicos vão-se alterar substancialmente, não sabemos é como”, reflecte. “O meu maior medo é que a situação económica e política evolua de tal forma que acabemos como uma espécie de lupen proletariado”, afirma. “O meu desejo é que evoluíssemos para um sistema de justiça social que traga uma vida cultural muito mais sã.”

No entanto, prevê mudanças nas grandes instituições culturais europeias. “Tenho expectativas de que as novas gerações que cheguem ao poder nas instituições tenham a coragem de mudar as relações de poder interno, torná-las mais democráticas, mais acessíveis para que as pessoas sintam que as instituições são pertença delas”, avança.

António Pinto Ribeiro não ignora o papel das instituições culturais públicas dentro de 25 anos. “São instituições de referência no que respeita a uma maior acessibilidade e ao incentivo à diversidade”, destaca. “Cabe às instituições públicas a internacionalização da produção cultural.” Não é preciso esperar por 2040. Cita os exemplos já vigentes no Chile, México e Colômbia.

Quanto à forma de regime político no próximo quarto de século, não há sobressaltos. “Espero que em 2040 Portugal continue a ser uma república democrática e membro da União Europeia, as duas grandes conquistas que vieram do 25 de Abril de 1974”, afirma o historiador António Reis. A síntese do fundador do PS, ex-secretário de Estado da Cultura com Mário Soares e antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano não significa a inexistência de desafios futuros.

“Espero que o país seja uma república com menos desigualdades de rendimentos e de estatuto, que seja um país mais justo, menos pobre, mais competente e culto e, sobretudo, mais amigo das artes e da ciência”, descreve. António Reis não prevê grandes terramotos políticos nos próximos 25 anos. “Continuará a haver esquerda e direita e no modelo político não haverá grandes alterações, nem no sentido da presidencialização ou parlamentarização do regime”, assegura. Contudo, admite alterações: “Acho possível listas de independentes a concorrerem ao Parlamento, mas não tenho a certeza se será desejável, pois tenho muito medo de tudo o que representa a depreciação dos partidos que, aliás, são os responsáveis da sua própria desvalorização.”

As mudanças não virão, pois, do establishement da política. O historiador prevê, no entanto, o aparecimento de novos partidos como forma de revitalização do tecido político — “Todo o género de partidos, mesmo a transformação de movimentos sociais em estruturas partidárias, mas a democracia tem sempre de ter uma base partidária”, enfatiza. Do mesmo modo, considera inevitável uma maior abertura dos partidos à participação, através de consultas para além do mundo militante.

A sua esperança no futuro vem, sobretudo, de uma atitude mais vigilante e exigente dos cidadãos. “Para termos uma república menos corrupta, com mais escrutínio, um Estado de cidadãos”, assinala. “Em 2040, não haverá espaço para práticas autoritárias contra as quais rapidamente encontraremos várias formas para travar essas eventuais tentações que, aliás, caem muito mal na opinião pública”, garante. Questão recorrente da vida política portuguesa, o dossier regionalização vai deixar de ser tema. “Começa a haver consenso, só espero que as regiões não se convertam em novas máquinas burocráticas e em centros de pequenos poderes”, manifesta.

António Reis está confiante. Ao ponto de não condicionar o futuro interno às vicissitudes externas. “Sou mais optimista do que se passará em Portugal dentro de 25 anos do que a nível mundial”, reconhece. Para ele, o 2040 português será risonho.

Excesso de optimismo ou voluntarismo militante? A filósofa Maria Filomena Molder vê o futuro noutra dimensão. “A vida humana presente revê-se na vida do outro que viveu, que também conheceu a angústia e teve medo da morte”, afirma. “Afinal, o que é perene são as nossas inquietações, os nossos sentimentos”, declara. Mesmo dentro de um quarto de século.

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.
Jovens em Lousada, um dos concelhos no continente com o maior rácio de população jovem José Sarmento Matos
O urbano e as formas de vida a ele associadas triunfam. Haverá ainda maior concentração no litoral e nas áreas metropolitanas Fernando Veludo/NFactos
Centro de Medicina Hiperbarica da Marinha para o tratamento de cancro. Haverá mais cancros, mas serão menos letais Rui Gaudêncio
Se a economia melhorar, os futuros imigrantes que chegarão a Portugal serão sobretudo de África, aponta Pedro Pita Barros Nuno Ferreira Santos
No trabalho haverá alterações no domínio das relações laborais e uma possível perda do poder dos sindicatos Paulo Pimenta
Os grandes concertos deverão ser substituidos por transmissões audiovisuais Paulo Pimenta
Manuel Roberto