Uma ida ao mercado por dia, não sabe o bem que lhe fazia

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Os mercados da Baixa da cidade, os mercados tradicionais, com as suas vendedeiras de cabelos brancos ou pintados, sotaque carregado do Porto e aventais debruados a renda, deviam ser recomendados como um antídoto obrigatório para quem anda a precisar de alguma animação. E não é por causa da beleza arquitectónica ou do estado de conservação dos edifícios (o que em casos como o Bolhão até o podiam arrastar para uma depressão profunda), mas por causa dessas vendedoras que já por ali andam há anos e são capazes de tudo para ter os clientes satisfeitos — e a comprar, claro.

A coisa é mais ou menos assim. Está um dia cinzento, faz frio ou chove tanto que já tem os pés molhados e começa a pensar que nunca devia ter saído de casa. E, nisto, chega ao mercado. Começa a olhar para as bancas e há logo quem se dirija a si com um “ó, mor” ou um “ó, querida, quer alguma coisinha?”. Se for daquelas pessoas que se animam facilmente, isto já pode chegar para começar a melhorar o seu humor, mas as vendedoras que entrecortam risos com palavrões e criticam e elogiam os políticos que, amiúde, lhes prometem o céu com o mesmo entusiasmo, não se vão ficar por aqui.

Tire os óculos de sol e o mais certo é apanhar com um “ai, que olhos tão lindos que tem”. Ou pode ser o seu sorriso a merecer o elogio, ou o corte de cabelo… Se isto já o pôs a sorrir e lhe deu vontade de trocar mais algumas palavras com as vendedoras do que as que são exclusivamente necessárias para uma transacção comercial, é bem provável que lhe perguntem o nome e que este seja brindado com um “ai, que nome tão lindo”, talvez seguido de “é o nome da minha neta” ou da filha, ou da tia preferida, ou de uma grande amiga de escola. Mesmo que o seu nome seja, por exemplo, Hermenegilda e nunca lhe tenha agradado por aí além.

Com mais cinco minutos para gastar, a mulher de peito farto e mãos nas ancas já deve estar a dizer-lhe como cresceu ali mesmo, enquanto a mãe ou a avó, também vendedoras naquele espaço, atendiam clientes. Já cá estou há 20 anos, há 30, há 40, há 50, dir-lhe-ão e a seguir a isto só podem vir boas histórias.

Aqui, já só mesmo quem tiver um coração empedernido é que não se sente melhor do que quando estremeceu de frio ao sair de casa ou apanhou uma forte chuvada pelo caminho. E nem pense que se vai embora sem ouvir um “volte sempre, ó mor” ou “então, até amanhã”.

É isto que torna estes mercados especiais. É verdade que é bom ter ali peixe fresco, vegetais que vieram directamente do produtor, fruta com cara de fruta e não com ar de quem foi esfregada até brilhar. Mas isso vai-se encontrando também noutros sítios. Há lojas de produtos frescos ou de produtos gourmet a espalhar-se pela cidade. Preços e qualidade até podem não variar muito, em alguns casos.

Mas, nessas lojas, não estão as velhas vendedoras do Mercado do Bolhão ou do Mercado de S. Sebastião. Falta-lhes a patine de anos e anos a desenvolver uma técnica muito própria, de deixar sempre o cliente satisfeito, de elogiar até o nariz mais torto das redondezas, apelidando-o de “distinto”. Podem estar a enganar-nos, mas fazem-no com mestria. Querem deixar-nos felizes, porque, assim, felizes, somos capazes de estar mais dispostos a comprar alguma coisa. É uma técnica que está entranhada em quem a usa e que, por isso, parece natural. Estamos aqui, estamos a acreditar nos elogios.

Por mim, deixem-me ir aos mercados todos os dias. Ou, pelo menos, nos dias em que preciso de algum ânimo. Se vão mesmo (ainda esperamos, vamos ver) reabilitar o Bolhão, façam-no em torno destas vendedoras e não para além delas. Convidem as pessoas a espreitar o Mercado de S. Sebastião. Vão ao mercado com dez minutos para gastar e saiam de lá com um sorriso. E já sabe: “Ó mor, volte sempre.”

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