A defesa do consumidor, um direito constitucional

Salvaguardar os interesses dos consumidores é uma responsabilidade, em primeira instância, do Estado. Por isso não o podemos reduzir, como os liberais e a direita preconizam, a um Estado mínimo.

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Este Governo desvaloriza, a política dos consumidores, quer no programa eleitoral e de governo, quer na sua orgânica.

Nunca como hoje, se tornou tão necessário salvaguardar os direitos e interesses dos consumidores.

A Constituição da República de 1976 consagra de uma forma expressa a proteção dos direitos dos consumidores, e em todas as revisões e legislação subsequentes esses direitos não só foram aprofundados como alargados.

O que caracteriza um serviço público essencial é, acima de tudo, a sua indispensabilidade para garantir a qualidade de vida os cidadãos. Classificar um serviço como serviço público essencial significa garantir aos consumidores um conjunto mínimo de serviços, sem os quais não é possível assegurar um mínimo de qualidade de vida no seu dia-a-dia.

Se no início do século passado a grande fratura nas sociedades se centrava nas relações trabalho-capital, hoje, a grande fratura está também marcada pelas relações entre consumidor-produtor-prestador de serviços.

Estas alterações decorrem sobretudo das profundas mudanças dos mercados globalizados, aceleradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, o que aumentam os produtos comercializados e os serviços prestados.

É verdade que estas mudanças são benéficas, porque alargam o leque das escolhas e possibilitam ao consumidor múltiplas opções, todavia, tais mudanças implicam novos desafios e responsabilidades acrescidas quer para os consumidores e sobretudo a quem tem o dever de os proteger.

Salvaguardar os interesses dos consumidores é uma responsabilidade que cabe em primeira instância ao Estado, por isso não podemos reduzir, como os liberais e a direita preconizam, a um Estado mínimo.

O Estado tem dois instrumentos para exercer a sua obrigação de proteger os consumidores – as entidades reguladoras e/ou a sua intervenção direta nas empresas prestadoras de serviços e nos produtores.

O que não podemos, é tudo deixar às leis do mercado e aos reguladores, uma vez que estes se assumem como fazendo parte dos sistemas que tinham a obrigação de regular.

O exemplo mais paradigmático é o do sistema bancário, em que o regulador é por natureza o Banco de Portugal, mas este não intervém no sistema bancário para defender os cidadãos consumidores das múltiplas taxas que os bancos cobram pelos depósitos.

No passado os bancos assentavam os seus lucros no diferencial entre as taxas de juros dos empréstimos que efetuavam e naquelas que pagavam aos clientes pelos seus depósitos, hoje os brutais lucros assenta nas taxas que cobram aos clientes, aproveitando-se da obrigatoriedade dos cidadãos de depositarem o dinheiro e as suas poupanças nos bancos.

O que se passa com a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) e com a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) é bem pior, porque tratando-se de serviços públicos essenciais e tendo estas entidades a obrigatoriedade de proteger os direitos e interesses dos consumidores permitem que os prestadores destes serviços violem a legislação em vigor.

A Lei n.º 12/2008 de 26 de fevereiro na alínea a) do nº 2 do seu art. 8.º proíbe qualquer taxa de aluguer que diga respeito aos contadores.

Ora, o que as empresas prestadoras destes serviços públicos essenciais fizeram foi substituir essas taxas por uma outra equivalente a taxa de disponibilidade, o que do nosso ponto de vista é manifestamente ilegal.

"Artigo 8.º Consumos mínimos e contadores

(...) 2 — É proibida a cobrança aos utentes de:
a) Qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspeção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços utilizados;
b) Qualquer outra taxa de efeito equivalente à utilização das medidas referidas na alínea anterior, independentemente da designação utilizada;
c) Qualquer taxa que não tenha uma correspondência direta com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efetivamente incorra, com exceção da contribuição para o audiovisual."

Já foram dados passos muito significativos na defesa dos consumidores, mas é fundamental considerá-la uma prioridade permanente, uma vez que constitui uma preocupação de todos.

O autor escreve segundo novo acordo ortográfico

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