Morrem pelas políticas anticiência de Trump e do Chega, crianças e adultos

A par da água potável, da higienização das mãos, da descoberta da penicilina, a vacinação é dos marcos mais impactantes no número de vidas salvas da história da medicina.

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A espécie humana é a única espécie capaz de se destruir a si própria quer com bombas nucleares, quer tornando o planeta inabitável para humanos pelas alterações climáticas causadas por ela própria, mas é também a única espécie que tem a capacidade “incrível” de deitar ao lixo o que demorou séculos a aprender e que salva vidas.

Desde os antivacinas às mulheres que escolhem ter filhos sem a supervisão de um profissional de saúde, passando pelos que simplesmente recusam a medicina e os medicamentos pela injecção na sociedade das “naturopatetices”, cujo termo correcto é pseudociência, é todo um estranho mundo novo, onde pessoas morrem pelas escolhas individuais decorrentes da crença colectiva de que quem estudou Medicina, ou outras ciências da saúde, a vida toda fê-lo para lhes fazer mal à saúde. Rejeitam o que metade do planeta gostava e precisava de ter, e não tem: acesso a cuidados de saúde de qualidade.

Carl Sagan já escrevia em 1996: “Se querem salvar o vosso filho de poliomielite, podem rezar ou podem vaciná-lo… Escolham a ciência.” A par da água potável, da higienização das mãos, da descoberta da penicilina, a descoberta da vacinação e, mais tarde, a sua evolução é dos marcos mais impactantes no número de vidas salvas da história da medicina.

Trump escolheu, sem surpresas, um perfeito lunático sem qualquer formação em saúde para seu “ministro da Saúde” (secretary of Human Health and Services), Robert Frank Kennedy Junior (R.F.K. Jr.), assumido, destacado e muito vocal na sua luta contra as vacinas e campanha de desinformação médica, altamente conspiracionista. Infelizmente, também sem surpresas, a realidade não quer saber das crenças individuais e os resultados catastróficos já estão à vista.

O sarampo foi considerado erradicado dos EUA no ano 2000 pela altíssima eficácia da sua vacina, mas, neste momento, já vamos com um surto sem precedentes nas últimas décadas, com perto de 1000 casos confirmados desde o início de 2025 e com a morte de duas crianças e de um adulto previamente saudáveis por sarampo, os três não vacinados para tal. Além disso, sabe-se que o sarampo é altamente contagioso e pode deixar sequelas gravíssimas para todo o sempre, como incompetência do sistema imunitário para outras infecções, danos neurológicos ou cerebrais. Antes da vacina, os EUA registavam a morte de cerca de 500 crianças e 48.000 hospitalizações a cada ano.

Se o exemplo das mortes e sequelas do sarampo não vos chegar (há muitos outros exemplos, como a gripe ou a covid-19), considerem também os argumentos económicos. Vacinar custa uns euros; e as hospitalizações e as sequelas custam milhares e milhares de euros e consomem recursos humanos que são necessários noutras áreas. Saiu um estudo há dias que conclui que, se as taxas de vacinação nos EUA mantiverem a actual tendência, daqui a 25 anos teremos tido, neste período, cerca de 51 milhões de casos de sarampo. Isto é muito preocupante.

Sabemos que, em Portugal, Trump tem os maiores admiradores das suas políticas no partido Chega, como já várias vezes foi verbalizado por André Ventura. Talvez o que mais assuste em Trump e seus admiradores/seguidores políticos pelo mundo, seja o ataque deliberado à democracia, mas a característica destes movimentos populistas de extrema-direita têm que leva a mais mortes e mais sofrimento humano é a negação da ciência.

André Ventura, em 2021, nos debates para as presidenciais, não conseguiu dizer se se tinha vacinado contra a covid-19 e, mais grave, ainda não conseguiu dizer “Vacinem-se!”, porque sabe que o negacionismo da ciência em Portugal está naquele partido. Maria Vieira, João Tilly, Gustavo Santos, Sérgio Tavares (o jornalista “pela verdade” que não é jornalista), entre muitos outros, são assumidamente negacionistas das vacinas e das alterações climáticas e são membros do partido ou apoiantes declarados do Chega, e lá bem acolhidos.

Pedro Frazão conseguiu repetir uma mentira propagada por desinformação negacionista ao dizer que em Portugal morreram 142 pessoas por causa da vacina contra a covid-19, em Junho de 2023, quando na realidade morreram zero. Isto é muito grave. Uma petição de negacionistas, liderada por Joana Amaral Dias e pela dentista Marta Gameiro, foi abraçada pelo Chega na Assembleia da República, em Abril de 2024.

É um facto que o negacionismo da ciência em Portugal está no Chega e na Europa no grupo europeu que o Chega integra, assim como é um facto que o cepticismo que se criou à volta das vacinas contra a covid-19 aumentou o cepticismo face a todas as vacinas.

Isto é um assunto muito sério, p.e. a varíola, antes de ter vacina, terá morto cerca de 300 milhões de pessoas durante duas décadas, (a Segunda Guerra Mundial terá morto seis vezes menos). As vacinas são extremamente eficazes e seguras a prevenir inúmeras doenças que causam a morte, ou deixam crianças altamente debilitadas para a vida.

Em África, cerca de 20% das crianças não recebem a vacinação básica e 500.000 crianças morrem todos os anos por falta dela: é este o caminho que os negacionistas da ciência querem seguir? Não é só nas doenças infecciosas, a inovação das vacinas mRNA aproxima-se do lançamento para o mercado de uma vacina que previne vários tipos de cancro da mama. Repito: é muito grave negar a ciência, a medicina, e a vacinação, em particular.

Sobre as alterações climáticas, a discussão é mais profunda, mais complexa, mas talvez mais importante, porque é, sem dúvida, a maior ameaça à existência da humanidade de sempre, e partidos que, por negação ou inação, nada fazem, estão a matar milhões de pessoas, mas a associação é muito mais subjectiva do que ouvir o Gustavo Santos a dizer algo do género “não se vacinem, não se vacinem contra nada”, e depois ser recebido pelo Chega.

“São modas”, dizem alguns… mas modas em que morrem crianças obrigam-nos a descruzar os braços. Imaginem que têm um filho que temporária ou definitivamente tem a imunidade comprometida e morre porque os pais da criança “do lado” na escola decidiram não a vacinar para uma qualquer doença prevenível por vacina. Em que posição é que isso vos coloca?

Qualquer pessoa, qualquer partido, qualquer decisão política que negue a evidência científica, como Trump e o Chega fazem, têm infinitas mortes facilmente evitáveis nas suas mãos. Trump faz, o Chega imita. A aberração das políticas de saúde de Trump chegou ao ponto de cancelar incontáveis projectos de investigação médica, inclusive para cancros em idade pediátrica… Temos de dizer “não” com muita força, a esta desumanidade.

A ciência baseada na evidência é a verdade que nos une e nos protege. Negá-la devia ser crime.

Quantas crianças precisam de morrer até legislarmos?

As crónicas de Gustavo Carona são a favor dos Médicos sem Fronteiras

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