Seis meses à procura de trabalho: como sobrevivi ao circo das entrevistas de emprego

Se um processo de recrutamento for negativo significa que o trabalho também seria. Vamos virar o feitiço contra o feiticeiro e dizer a estas empresas: “Eu é que já não estou interessada. Obrigada.”

Foto
Dicas para ter sucesso numa entrevista de emprego DR
Ouça este artigo
00:00
08:24

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A minha maré de azar com entrevistas de trabalho começou há cerca de um ano. Como o feitiço foi desfeito, e finalmente encontrei um trabalho digno na minha área, com condições razoáveis, decidi escrever uma retrospectiva das entrevistas mais caricatas que tive no último ano.

Dizem que encontrar um homem casadoiro em condições está difícil. Isso é porque de certeza que não andam à procura de um trabalho em Portugal. Isso, sim, está difícil.

Uma das tácticas mais populares para encontrar um date de confiança é ir a um encontro com o amigo do amigo. O que eu vim a descobrir é que esta técnica também se aplica na procura de trabalho. Só vais chegar a uma entrevista, na maior parte dos casos, se conheceres o amigo do primo do António que trabalha na empresa que está a recrutar. Se isto é o mesmo que uma cunha? Não faço ideia, mas se for, aconselho-vos a utilizarem todas as cunhas ao vosso alcance.

A primeira entrevista que tive foi há cerca de um ano. Consegui esta entrevista numa agência de comunicação porque sou amiga de uma rapariga que lá trabalha. Ela enviou-me a vaga e eu candidatei-me. A entrevista foi online, directamente com a directora-executiva. Como era uma agência pequena, não existia departamento de recrutamento.

Depois de falarmos brevemente sobre o meu currículo, a CEO pergunta-me qual é o meu signo. Eu respondo que sou sagitário e ela pergunta-me qual é o meu ascendente. Felizmente, percebo um pouco de astrologia, então pude usar isso a meu favor, dizendo que sou muito criativa porque sou sagitário e muito organizada por causa do meu ascendente em virgem. Ela ama esta resposta. Diz-me que me vai fazer uma proposta porque o meu signo vai ser muito compatível com o resto da equipa. Explica-me que, para ela, isto é muito importante e que pergunta sempre os signos nas entrevistas.

Entretanto, deve ter encontrado alguém com um mapa astral mais interessante, porque, depois de desmarcar duas vezes a entrevista presencial em que supostamente me iria apresentar uma proposta, enviou-me um WhatsApp a dizer que acabou por optar por outra pessoa.

A minha entrevista seguinte foi para uma agência imobiliária que precisava de alguém para a função de copywriter. Nesta entrevista, depois de falarmos sobre a minha experiência, o recrutador disse que me ia fazer umas perguntas para testar o meu QI. No total, eram dez, todas com este tipo de lógica: “Um homem caiu de um prédio de 20 andares e não morreu. Porquê?” Eu respondi que tinha um pára-quedas e ele disse que a resposta estava errada. Falhei à primeira tentativa.

Depois percebi a lógica destas perguntas — era só pensar nas anedotas que se contavam no quinto ano para se chegar às respostas. Respondi então: “Ah, porque ele se atirou do rés-do-chão.” Resposta certa. Acho mesmo muito estranho que este método de avaliação do recreio tenha passado para os escritórios dos adultos, mas é normal porque, no fundo, somos todos crianças a fingir ser adultos. Enfim, as minhas respostas às adivinhas não foram suficientemente boas, porque não fui escolhida.

Nesta fase, desisti das entrevistas durante algum tempo, até que fiquei desempregada. Depois de estar um ano a trabalhar como content writer numa empresa de tecnologia despediram-me dizendo que o cliente queria alguém que escrevesse em português do Brasil e que, uma vez que o meu contrato teria de passar a ser efectivo, já não me podiam manter.

Agora não havia volta a dar — tinha de voltar a lançar-me aos tubarões e enfrentar mais entrevistas. Neste momento, estou a ter dificuldade a relembrar-me de todos os processos. Acho que a minha memória apagou algumas experiências por serem demasiado traumáticas. Como acontece com as mulheres que têm um filho. Dizem que o cérebro apaga a memória da dor, para que a mulher esteja disposta a ter outro.

Posso-vos dizer que levei muito ghosting. É oficial. A cultura do ghosting chegou ao mundo profissional. Vão dar por vocês a verificar o vosso email de cinco em cinco minutos, como quem espera por uma mensagem de um ex tóxico. A minha irmã, que também está à procura de trabalho, ligou-me uma vez a dizer que achava que o email dela estava “estragado”. Não estava nada estragado. Estragadas estão as pessoas que nem respondem ao esforço colocado num email de candidatura.

É que agora já nem há desculpas visto que com o chatGPT, podem escrever um email em 30 segundos a dizer: “Boa tarde! Vimos por este meio informar que não vimos o seu email, nem vamos ver. Obrigada pela sua candidatura em vão e por desperdiçar o seu tempo valioso. Cumprimentos, HR.”

Uma empresa de tecnologia contactou-me no LinkedIn porque queriam que eu escrevesse artigos para o seu site. Disseram que queriam que eu escrevesse artigos sobre tecnologia e sobre o bom ambiente e valores da empresa de forma a atrair mais talento.

Pediram-me para fazer um exercício escrito que iria apresentar na segunda entrevista. Mandaram-me o link da entrevista e não “apareceram”. Depois de lhes enviar uma mensagem, pediram desculpa e enviaram outro link para o dia seguinte. Não apareceram novamente.

Enviei-lhes uma mensagem a dizer que era muito engraçado quererem contratar alguém para escrever sobre os bons valores da empresa e que, se calhar, deviam começar a aplicá-los no processo de recrutamento. Obviamente, nunca mais responderam.

Entretanto, a empresa de tecnologia que me despediu em Dezembro ofereceu-me um trabalho para ser formadora daquilo que eu desempenhava anteriormente na empresa. Como já tinham passado três meses, o prazo legal para me recontratarem, já me podiam aceitar de volta. A proposta deles era irrecusável. Voltava para a empresa que me colocou numa situação de desemprego depois de um ano da minha dedicação. Teria novamente um contrato de seis meses, agora numa posição com mais responsabilidade. Iria receber menos porque, segundo eles, este projecto tinha menos orçamento. Eu, educadamente, recusei esta oferta, e eles ainda ficaram muito ofendidos, dizendo que eu estava a perder uma oportunidade de crescimento na empresa e que, assim sendo, o meu nome nunca mais estaria em cima da mesa para futuras oportunidades.

Não vou mentir que ainda assim me custou recusar esta oferta, porque, tendo em conta o historial de entrevistas até à data, comecei mesmo a acreditar que arranjar um trabalho na minha área era pior do que encontrar uma agulha num palheiro.

A minha entrevista seguinte foi para uma outra empresa de tecnologia que procurava alguém para a função de copywriter. Neste momento, já não tinha o hábito de partilhar os meus processos de recrutamento com os meus amigos. Ficava tudo entre mim e Deus. Como sou supersticiosa, prefiro não partilhar para não agoirar.

Estava em chamada com um grande amigo e decidi contar-lhe só a ele sobre esta segunda fase. Qual não foi o meu espanto, quando ele me conta que uma das nossas melhores amigas em comum também está na segunda fase deste mesmo processo- Isto significava que eu estava a competir com algum Zé Ninguém e com a minha melhor amiga que estava desesperadamente a querer mudar de trabalho há mais de um ano.

Não sei como é que o recrutador não se apercebeu que estava a entrevistar duas grandes amigas. Temos o mesmo curso superior no currículo, assim como a mesma experiência de voluntariado no Camboja e uma matching tattoo. Ou não tem olhos na cara ou então queria testar a nossa amizade.

Falei com a minha amiga e disse-lhe que ao menos se ela ficasse com o trabalho e eu não ficaria feliz na mesma por ela. No dia em que ela recebeu uma proposta desta empresa, eu recebi uma proposta para o trabalho que vou começar para a semana. Tudo acabou bem para a nossa amizade.

Se estão à procura de emprego, desejo-vos muita força. Tentem acreditar que há uma oportunidade melhor à vossa espera do que aquela que acabou de vos recusar.

Eu acho que faria todo o sentido que o centro de emprego criasse um grupo de entreajuda de Desempregados Anónimos. Se eu tivesse tido essa oportunidade iria lá durante os meus processos dizer: “Olá, eu sou a Maria. Estou desempregada há seis meses. Já enviei mais de 100 candidaturas e recebi duas respostas.”

Neste artigo, não coloquei nomes de empresas porque não quero ser acusada de difamação, mas aconselho quem lê a escrever o nome das empresas com maus processos de recrutamento nos comentários, para que as mesmas possam receber esse feedback construtivo.

Lembrem-se que o problema não está em vocês. Está nas empresas que não valorizam pessoas. Se um processo de recrutamento for negativo significa que o trabalho também seria. Vamos virar o feitiço contra o feiticeiro e dizer a estas empresas: “Eu é que já não estou interessada. Muito obrigada.”

Como aqueles casos em que acabamos com alguém e a pessoa responde que também queria acabar connosco, só para sair por cima. Eu não me responsabilizo pelos vossos actos, mas incentivo e apoio incondicionalmente! Boa sorte para todos.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários