A foto dramática e as linhas vermelhas

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É Cavaco Silva, Presidente da República, terça-feira, na Guarda, depois de desmaiar a meio do seu primeiro discurso. Sem contextualização, a foto seria dramática e convidaria às mais diversas leituras, insinuando até suspeita de tragédia. No entanto, a história era mínima: uma reacção vagal. O Presidente regressou e acabou o discurso. Morreu a notícia, ficou a imagem.

Em Julho de 2009, o então Presidente francês Nicolas Sarkozy sofreu um malaise vagal no Eliseu, quando corria ao sol. Calor, stress, excesso de trabalho — justificaram assessores. A diferença é que não houve fotografia. Os jornais ouviram médicos e desvalorizaram o caso: “Uma súbita e breve perda de consciência sem gravidade”, explicou o Monde. A curiosidade dos leitores deixou de ser Sarkozy e passou a ser o malaise vagal, que muitos desconheciam e descobriram ser mais vulgar do que pensavam: confunde-se com desmaio.

Na Guarda, a curiosidade deixou de ser a reacção vagal e passou a ser o contexto da fotografia: uma manifestação sindical que tinha como objectivo silenciar o Presidente numa cerimónia pública. Equivale a atravessar uma linha vermelha, dobrada por outra intrigante ideia: sabotar a homenagem aos militares. “Peço a todos aqueles que estão a perturbar esta cerimónia militar que tenham respeito por Portugal e pelas Forças Armadas” — foi forçado a dizer o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general Pina Monteiro.

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A reacção vagal de Cavaco Silva durante o seu discurso na Guarda, no dia 10 de Junho Adriano Miranda

Um telespectador curioso terá reparado que os 100 ou 200 manifestantes, antigoverno e anti-Presidente, eram conduzidos por sindicalistas comunistas — o rosto mais mediático era Mário Nogueira, da Fenprof. A perplexidade começa aqui. Os manifestantes poderiam ter ido vaiar Passos Coelho e até o Presidente ao meio-dia, à entrada da segunda cerimónia. Teriam tido também muita TV.

As manifestações da CGTP e do PCP estão banalizadas e as críticas ao Presidente da República são politicamente normais. A questão é o 10 de Junho. Os comunistas têm uma tradição de respeito da instituição presidencial e, sobretudo, da instituição militar. Reivindicam-se como patriotas e usam um discurso nacionalista, o que obriga a interrogar o significado do seu comportamento no 10 de Junho.

Uma primeira linha vermelha foi atravessada por polícias na escadaria da Assembleia da República. Foi explicada como “derrapagem”. Na Guarda, houve uma acção planeada e assinada. A que nível e com que horizonte? Não foi um problema de “derrapagem”. O que importa é aquilo que se viu e que tem implícita uma mensagem política.

O mesmo espectador tem o direito de perguntar o que é que este 10 de Junho prenuncia. Terá sido, em linguagem dialéctica, um “salto qualitativo”? Ou uma “anarqueirada” de quem tomou o freio nos dentes? O espectador quer, sobretudo, perceber o que se segue. 

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