Conselho de Extravagâncias Públicas

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Teodora Cardoso foi, é e para sempre será uma economista portuguesa especialista em orçamentos e impostos (também Ramsés II, que percebia de finanças, ainda lá está no Cairo a cobrar entradas) que tentou introduzir em Portugal, e exportar para o mundo traumático do pós-troika, uma inovação fiscal: taxar todos os levantamentos bancários das contas onde serão obrigatoriamente depositados os salários e pensões.

Sempre que te mexes, como diziam os egípcios, pinga para o Estado e o Estado sabe o que andas a cozinhar. Os egípcios ou outro povo com propensão para construir pirâmides que não se pagam a si próprias.

Há décadas deu-se “o milagre da Via Verde”, e não há português que não passe por uma portagem de auto-estrada, sem aparentemente pagar (o tanso…), que não sinta o frisson maravilhoso do pioneirismo. Agora, se é para inventar, inventemos nós a palavra: o prazer da pioneirice fiscal. A proposta de Teodora, em que muitos leram a síntese e a corrente de ideias inglesas (as suas maiores influências intelectuais são o mundo anglo-saxão, o culto da independência ideológica e a fidelidade inteligente dos cães), começou a mudar o país.

Pretendia-se um imposto que, “em vez de desincentivar o rendimento, incentiva a poupança”. Foi o que disse Teodora num dia em que foi à rua comprar ovos e se viu, sem mais nem menos, em Viseu e logo nas jornadas parlamentares do PSD! Já que a senhora está cá — trata-se da primeira mulher a usar calças no Banco de Portugal — diga qualquer coisa para que o pessoal do Governo não esteja sempre a repetir que não vai aumentar impostos, ou cortar mais pensões, isso é que não, e depois olha… como é que isto aconteceu?

Desde a histórica intervenção de Teodora, responsável pelo Conselho das Finanças Públicas, em Março de 2014, começou a sucessão de milagres e o país ficou melhor, como diz o outro. Tão melhor que é uma alegria conseguir voltar atrás, ao tempo em que éramos felizes. Como Teodora Cardoso, ainda menina de saias, a provar o seu primeiro rebuçado em Estremoz, onde nasceu.

Quando foi aplicada a nova taxa dos levantamentos, perceberam os analistas, começou o “milagre do colchão de palha”: em vez de ter dinheiro no banco, os portugueses quiseram receber tudo em notas e de uma só vez, e pela porta do cavalo. E guardavam o dinheiro entre a esteira e o colchão, a ganhar patine e humidade, dando um gosto especial à aventura de ir comprar uma sardinha e duas carcaças para a família.

O fim do dinheiro de plástico (sujeito a taxas e impostos automáticos) ditou também o reaparecimento dos açucareiros velhos, todos nicados nas bordas, transformados em mealheiros de notas enroladas.

O êxito da iniciativa financeira foi tão grande que alastrou às solas falsas das botas dos cavalheiros (a chocalharem moedas de dois euros pela rua) e aos soutiens e cintos de ligas das senhoras, carregados de notas de 20 euros, a abanarem as ancas à frente dos homens. Imediatamente, apraz-nos dizer, se consolidou a viragem económica e houve efeitos colaterais muito positivos na demografia: nasceram milhares de bebés com estas medidas de ajustamento económico tão giras que despertam a vontade de fabricar mais heróis para uma nação que vai pagar as dívidas até ao último cêntimo.

Estamos ou não estamos melhor, os que cá ainda estamos? Valeu a pena os sacrifícios, suas marotas e marotos.

Mas não só: a imprensa internacional e os nossos credores testemunharam tudo. Já não há forma de negar a evidência duma viragem económica perfeita, os sinais encorajadores do sucesso que comovem Wall Street e a Alemanha. Os automóveis Audi de alta cilindrada sorteados pelo Governo, e entregues a contribuintes cumpridores, foram vendidos em minutos a cidadãos com o Visa Gold. No meio da rua, um Audi todo bonito foi trocado por um maço de notas, como um burro na Feira das Cebolas, e antes de chegar a guarda para prender alguém!

Aos 70 anos, Teodora Cardoso ainda tem muito para dar ao país e ao esforço de consolidação orçamental. É com alegria que assistimos a esta fase mais criativa, abandonando anteriores posições negativistas, há poucos meses, como sugerir que a política de redução de salários da troika nos transformará num país de “terceiro ou quarto mundo”, ou insinuando que as previsões do Governo eram “demasiado optimistas”.

Continue a surpreender-nos, a dar novos tópicos de discussão, doutora Teodora. Usando a longa experiência e a sua independência partidária, invente mais teorias que nos embalem neste sucesso. É o que lhe desejam, carinhosamente, os parlamentares do PSD.     

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