Da “soberania” nacional ao voto universal passaram apenas 194 anos

Conheça as seis Constituições que marcaram quase dois séculos de profundas mudanças em Portugal

Foto

O PÚBLICO pediu ao historiador Fernando Rosas que nos guiasse ao longo destes últimos 194 anos – os primeiros em que Portugal foi regido por textos constitucionais. O resultado é um conjunto de vídeos interactivo, que pode ver no site do nosso jornal. São quase dois séculos de diferentes regimes políticos (monarquia liberal e absolutista, República, ditadura e democracia). Por isso, este especialista em História de Portugal contemporâneo, fala em “três ciclos constitucionias”, distintos. O primeiro, o das “constituições liberais” durará mais de um século, entre 1822, data da entrada em vigor da primeira constituição portuguesa, e 1933, quando foi plebiscitada a lei fundamental do Estado Novo de Salazar. Nesse período, apesar das diferenças – desde logo entre as constituições da Monarquia e a da República – existem várias linhas comuns. De tal forma que se chegou a acusar a Constituição de 1911 de apenas substituir o Rei por um Presidente. Seguiu-se o “ciclo dos fascismos”, com a Constituição corporativa de 1933. E só em 1976, há exactamente 40 anos, é que Portugal chegou ao “ciclo das constituições democráticas”. Foi só aí que, por exemplo, o voto se tornou verdadeiramente universal.

1822

Portugal saíra da revolução “vintista”, de 1820, e começou a ganhar forma a primeira Constituição portuguesa. Foram eleitos os constituintes, em 1821, que aprovaram um texto marcado pelas ideias liberais radicais. Teve uma vida curta, interrompida pelo absolutismo de D. Miguel. Foi restaurada por pouco tempo, após a vitória liberal e a Convenção de Evoramonte. Pela primeira vez, o poder reside “na Nação”. São consagrados, “de uma forma sem precedentes” os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos, e a “separação de poderes”. O Parlamento só tem uma câmara, eleito de forma directa por todos os homens com mais de 21 anos.

1826

A Carta Constitucional vem refrear os ânimos dos liberais radicais. “Outorgada” por D. Pedro IV, ou seja, “é uma oferta do Rei ao Povo”, vem consagrar o “poder moderador” do Rei, que deixara de ter poder legislativo na Constituição de 1822. O Rei pode nomear os Governos, dissolver as cortes e vetar as decisões dos deputados. Este é um texto substancialmente mais conservador. O poder legislativo passa a ter duas câmaras. O voto passa a ser censitário (por rendimentos) e indirecto. A Carta durará 72 anos, interrompidos.

1838

Este é um compromisso, breve, que durará quatro anos. Tenta conciliar os princípios liberais radicais e conservadores da Constituição de 22 e da Carta. “Está a meio caminho”, explica Rosas. É reafirmado o princípio da “soberania nacional” e extingue o “poder moderador” do Rei. Mas a Carta voltaria em 1842, por Costa Cabral. E durará até ao fim da Monarquia, dando origem ao célebre período de “rotativismo” que potenciará a revolução republicana.

1911

Após a revolução de 5 de Outubro de 1910 é eleita uma Assembleia Constituinte. A Constituição resultante tenta regressar aos valores do “vintismo” liberal do século anterior. Reforça o princípio da “igualdade”, consagra a separação do Estado e da Igreja, estabelece um sistema parlamentar. O sufrágio não chega a ser universal (só homens com mais de 21 anos que saibam ler e escrever, ou paguem impostos). A sua vigência será breve, explica Rosas, porque “a República mergulhou numa grande crise política”.

1933

Com a chegada ao poder de Salazar, depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926, a Constituição do Estado Novo está associada ao período dos “fascismos” europeus (Itália, Espanha, Alemanha). O “corporativismo”, a restrição de liberdades fundamentais, são a marca mais visível de um texto que, como se viu em 1958, tinha armadilhas imprevistas. A eleição presidencial que ameaçou Salazar (com o fenómeno popular de Humberto Delgado) motivou a revisão dos poderes presidenciais.

1976

Depois de 25 de Abril de 1974 abriu-se o último e actual “ciclo democrático”. A Assembleia Constituinte, eleita em 1975, aprovou por larga maioria um texto que, pela primeira na história do país, consagra o voto universal. Esta conquista tão recente veio acompanhada por uma forte marca ideológica, e por um conjunto de ideias inovadoras. Até hoje, a Constituição já foi revista e criticada. O último capítulo dessa batalha política que dura desde 1976 é a dos “direitos sociais”, que tanta tinta tem feito correr nos últimos anos de austeridade. É também em nome desses direitos que hoje, pela primeira vez, existe um Governo apoiado pelos principais partidos de esquerda.

Sugerir correcção
Comentar