O desencontro

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Esta é uma fotografia só, mas parecem duas. De um lado dos anjos, está Jerónimo de Sousa, líder do Partido Comunista. Do outro, Cavaco Silva, Presidente da República. O fotógrafo Daniel Rocha, que já fotografou centenas — senão milhares — de momentos como este, apanhou nesta fracção de segundo o instante indisfarçável do desconforto.

Não foi o fotógrafo que procurou o melhor momento. Isso não é possível nestas situações. As pessoas sentam-se — o Presidente e o seu convidado —, o fotógrafo oficial de Belém entra, dispara e sai; e a seguir as portas são abertas para os jornalistas: fotógrafos e câmaras das televisões entram de uma só vez e têm um minuto, por vezes menos, para fotografar.

“Supostamente, é sempre igual, mas acaba por não ser. Queremos apanhar o ambiente, a síntese daquele minuto”, diz Daniel Rocha. “Não há tempo para pensar”, diz Rui Gaudêncio, também fotógrafo. “Quando mandamos um fotógrafo novo para Belém, dizemos-lhe: ‘Pensa rápido, quando entrares, já estás a sair.’” Aos primeiros disparos, ouve-se um assessor da presidência dizer delicadamente: “Então muito obrigada...”

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A 16 de Junho, o Presidente da República recebeu ?o secretário-geral do PCP no Palácio de Belém Daniel Rocha

Tudo isto para dizer que nestas fotografias não há escolha. Não há intenção. Não há ideologia. Não há simplesmente tempo para nada disso. Esta foi a expressão que Jerónimo de Sousa quis ter ou a melhor que conseguiu ter quando se sentou ao lado do Presidente. E foi a melhor pose que Cavaco Silva conseguiu. Um parece que não queria estar ali. O outro parece que não está ali.

A síntese, neste caso, pode ser esta: estes dois homens nada têm a dizer um ao outro. Estão na mesma sala mas a imagem parece uma montagem em Photoshop, uma brincadeira de alguém.

Dos encontros entre estes dois homens diz-se nos bastidores que costumam ser distendidos e afáveis. São de tal modo antagónicas as visões que têm sobre o mundo, que nenhum dos dois se dá ao trabalho de tentar convencer o outro e por isso ambos expõem cordialmente os seus pontos de vista e partilham preocupações comuns. Têm apenas sete anos de diferença, já viram o mundo dar muitas voltas.

A imagem previsível da semana política portuguesa seria a de António Costa à janela do Teatro Tivoli, em Lisboa. Um Costa confiante que acena para os apoiantes que não conseguiram entrar na sala e ficaram à espera na rua. Nessa imagem, Costa está na fotografia, não há ambivalência alguma. Vamos se calhar vê-la mais vezes no futuro.

Mas a escolha foi para a estranheza do desencontro de Jerónimo e Cavaco. Daqui a uns anos, é da imagem de Costa à janela que nos vamos lembrar. Mas nesta semana é esta que fica.

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