Portugueses nos Campos de Concentração

Testemunhos

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Os portugueses que viviam em França não escaparam às perseguições nazis e, por vezes, envolveram-se intensamente no combate à ocupação alemã. Alguns não sobreviveram à sua passagem pelos campos, outros puderam regressar a França e recomeçar as suas vidas. Hoje, 70 anos depois, cabe aos seus familiares guardar as suas histórias. Alguns contaram-nas à Revista 2.

Maria Barbosa

François Vallon, marido

Novo

François e Maria estiveram casados mais de 40 anos, até à morte da portuguesa, em 2008, que sobreviveu à passagem por três campos de concentração, incluindo Bergen-Belsen. Ela sempre quis esquecer os horrores vividos na Alemanha nazi, mas antes de morrer, pediu ao marido que divulgasse a sua história, junto das autoridades portuguesas.

Maria Barbosa nasceu em Ponte de Lima, a 23 de Fevereiro de 1922. A família de Maria Barbosa emigrou para França quando ela era ainda criança. A estação de comboio de Compiègne foi o local de milhares de deportações para os campos de concentração nazis. Maria Barbosa foi deportada para o campo de Ravensbrück a 31 de Janeiro de 1944. O campo de Bergen-Belsen, para onde Maria foi transferida, foi arrasado pelos ingleses, aquando da libertação, na tentativa de controlar as epidemias que lá grassavam. O interior do Memorial de Bergen-Belsen e o carteira de deportada de Maria Barbosa. O Memorial de Bergen-Belsen tem imagens, documentos e testemunhos que explicam as diferentes funções do campo, ao longo dos tempos. Maria Barbosa sobreviveu à guerra e regressou a Lyon, em França. Os terrenos do antigo campo são hoje uma vasta área verde. O irmão de Maria, Francisco Barbosa, também foi deportado e morreu em Bergen-Belsen. Os dois irmãos nunca souberam que estiveram no mesmo campo de concentração. O marido de Maria Barbosa, François Vallon, lutou para que ela tivesse os direitos concedidos aos deportados resistentes. Nos terrenos do campo de Bergen-Belsen existem alguns monumentos às vítimas. A Capela do Silêncio é um local de recolhimento no interior do antigo campo de concentração. As valas comuns dos mortos de Bergen-Belsen estão cobertas de vegetação, com uma inscrição na pedra que indica o número de pessoas ali enterradas. Maria Barbosa morreu a 16 de Junho de 2008. Algumas pedras tumulares lembram os mortos de Bergen-Belsen, mas não marcam o sítio exacto onde eles foram enterrados.

Casimiro Martins

François Martins, sobrinho

Novo

François ainda não tinha feito três anos quando o tio e padrinho Casimiro foi deportado para a Alemanha nazi. Quando chegou à reforma e se viu com tempo nas mãos, François quis reconstituir a história do algarvio. Conseguiu-o e Casimiro juntou o seu nome à história da aldeia nos Pirenéus franceses, para onde emigrara.

Casimiro Martins nasceu em S. Clemente, Loulé, a 12 de Março de 1906. O campo de concentração de Neuengamme , aos pés de Hamburgo, começou a ser construído em 1938. Em Arcizans-Avant, Casimiro morava num quarto alugado numa casa conhecida como Caillau. O Memorial do campo de concentração de Neuengamme ainda tem vestígios dos antigos blocos de prisioneiros. Casimiro emigrou para França já adulto. Os prisioneiros de Neuengamme trabalhavam, em parte, em fábricas. Casimiro Martins foi transferido de Dachau para Neuengamme a 22 de Outubro de 1944. Depois da guerra, o campo de Neuengamme funcionou como prisão. Casimiro Martins foi detido pela polícia alemã a 10 de Junho de 1944. Os prisioneiros de Neuengamme eram usados como escravos em fábricas e na remoção dos escombros gerados por bombardeamentos. Os antigos blocos de prisioneiros são hoje marcados por pedaços de pedra. Mais de cem mil prisioneiros passaram pelo sistema de Neuengamme e estima-se que quase 43 mil deles morreram. Casimiro sobreviveu menos de dois meses em Neuengamme. Casimiro Martins morreu a 18 de Dezembro de 1944, no campo de concentração de Neuengamme.

Michael Fresco

Alberto Fresco, primo

Michael Fresco morreu em Auschwitz, cerca de um mês depois de ter sido deportado para este campo de concentração alemão em território polaco. O português vivia, na altura, em França. Por cá, o primo Alberto Fresco reúne os fragmentos da sua história, feitos de memórias familiares.

A certidão de morte de Michael Fresco, em Auschwitz, foi passada a 28 de Junho de 1942. Michael Fresco nasceu em Lisboa, a 15 de Setembro de 1911 e foi deportado para Auschwitz a 25 de Junho de 1942. A Fresco, originária de Constantinopla, na Turquia, era judia. O campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polónia, é visitado por milhões de pessoas anualmente. O pai de Michael Fresco tinha uma mercearia em Lisboa. Os deportados para Auschwitz chegavam em comboios que entravam no interior de Birkenau. Michael Fresco emigrou para França e foi deportado para Auschwitz num comboio com mil judeus. O acesso a um dos crematórios de Birkenau, conhecido como Auschwitz II. As vítimas do campo de concentração são recordadas em exposições dispostas nas instalações de Auschwitz I. As bagagens dos prisioneiros eram abandonadas à chegada e guardadas num edifício conhecido como Canadá. Os nazis usavam o gás Zyklon B para assassinar em massa os prisioneiros do campo. O comboio que levava Michael Fresco saiu de Pithiviers às 6h15 do dia 25 de Junho de 1942. Os nazis não conseguiram apagar todos os vestígios do campo da morte e muitos pertences dos prisoneiros, como estes óculos, foram recuperados durante a libertação. As próteses dos que foram enviados para as câmaras de gás também era guardadas pelos nazis, para serem reutilizadas. Reconstituição do interior de uma das barracas de Birkenau, onde os prisioneiros eram amontoados, sem quaisquer condições. O certificado de morte de Michael Fresco indica que ele morreu em Auschwitz, a 24 de Julho de 1942. O português não sobreviveu sequer um mês em Auschwitz. Os Aliados conseguiram recuperar vários documentos sobre a deportação e a vida nos campos de concentração. Auschwitz I, com os seus edifícios de pedra, foi inicialmente usado como local de detenção de prisioneiros polacos. Muitos dos documentos sobre Auschwitz foram destruídos, mas alguns chegaram aos dias de hoje.

Luiz Ferreira

Amélia Martins, sobrinha

Quando o comunista Luiz Ferreira, emigrado em França, regressou a Portugal, no pré-25 de Abril, nasceu uma relação de proximidade com a sobrinha Amélia, que iria durar até à morte do português, que esteve preso no campo de concentração de Buchenwald. É ela quem guarda o espólio do tio Luiz.

Luiz Ferreira nasceu a 18 de Outubro de 1902, em Guimarães. O campo de concentração de Buchenwald foi um dos que recebeu mais portugueses deportados de França. Luiz foi deportado a 31 de Julho de 1944 para Buchenwald e deixou pequenas notas à sobrinha sobre a sua experiência no campo de concentração. As barracas dos prisioneiros, em madeira, não chegaram aos dias de hoje. Luiz Ferreira recebeu o número de prisioneiro 69.369. Os terrenos do antigo campo de concentração foram transformados num memorial. As notas que Luiz Ferreira deixou à sobrinha descrevem, na primeira pessoa, algumas das experiências do português. A localização dos antigos blocos de prisioneiros são assinaladas com blocos de granito com o número dos edifícios que ali existiam. Nas imediações do campo de concentração há vários monumentos às vítimas de Buchenwald. As fichas dos nazis sobre os prisioneiros incluíam pormenores sobre a condição física dos detidos. A tortura e as execuções eram comuns no campo de concentração. Luiz Ferreira sobreviveu à sua passagem por Buchenwald e regressou a França. Buchenwald começou a ser construído em 1937 e tornou-se no maior campo de concentração em território alemão. Os prisioneiros foram obrigados a construir a linha de comboio que ligava o campo à localidade mais próxima. O português integrou uma das marchas de morte que os nazis organizaram, na fase final da guerra. O Monumento de Buchenwald, em honra dos mortos do campo, fica nas imediações do antigo campo de concentração. Luiz Ferreira morreu com 89 anos e, já reformado, visitou Buchenwald. A escultura de Fritz Cremer, no Monumento a Buchenwald, é uma homenagem aos resistentes no campo de concentração.