A placa de pedra onde se lê “Escola Primária” ainda está na parede exterior do edifício. Com duas salas de aulas, a escola foi construída no alto da serra, com uma vista aberta para o vale e rodeada de árvores. Fica em Gilbarbedo, um lugar numa freguesia com 371 habitantes, em Terras de Bouro, perto do Gerês.
Em 2008, a escola já tinha poucos alunos e fechou. Quatro anos depois passou a ser casa para duas famílias da freguesia. As obras feitas pela câmara municipal transformaram a escola em dois apartamentos de três assoalhadas, deixando ficar a fachada e parte do pátio coberto. A iniciativa partiu da câmara como resposta às necessidades das duas famílias e cada uma paga agora uma renda de 25 euros, contando com o apoio dos serviços municipais para a manutenção das casas.
A escola em Gilbarbedo é uma das 24 que fecharam em Terras de Bouro. É também uma das cerca de quatro mil escolas encerradas sobre as quais o PÚBLICO recolheu informação até Março de 2014, no âmbito de um projecto de investigação em jornalismo computacional (REACTION). O levantamento foi feito durante três meses junto de todas as câmaras municipais, sendo possível assim perceber qual a utilização dada aos edifícios, encerrados sobretudo a partir de 2005.
Dos 308 municípios, 269 enviaram informação, concluindo-se que houve concelhos, sobretudo no norte do país, onde fecharam entre 60 a 70 escolas, como Chaves, Vila Real, Valpaços ou Ourém. Outros, como Ponte de Lima, Mafra ou Amarante, viram fechar entre 40 a 50; e noutros casos, não fechou nenhuma, como em Vila Nova de Cerveira ou Cuba.
Livraria, forno comunitário e associações
Do total de escolas encerradas depois de 2005, 24% continuam sem utilização, ainda que algumas já tenham projectos planeados. Lamego, Chaves e Amarante são os municípios com mais escolas sem utilização, mas estão também entre os locais em que mais escolas fecharam. Para 5% do total, por desconhecimento da autarquia, não existe informação sobre o destino dado dos edifícios. Muitas escolas foram cedidas às juntas de freguesia, pelo que as câmaras municipais deixaram de ter conhecimento sobre a sua finalidade.
Cerca de 70% das escolas têm hoje novas funções e são muito variadas. A Escola Pinheiro da Cruz em Grândola, encerrada em 2006, é hoje espaço para o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz. Em Vimioso, freguesia de Carção, uma das escolas passou a ser usada como forno comunitário e em Óbidos uma escola foi transformada em livraria. Outras, como a de Vila Verde em Resende que deu lugar a um centro interpretativo da cereja, passaram a alojar espaços culturais. E em Messines, no concelho de Silves, uma escola desapareceu com a construção da barragem do Funcho.

Do total, um terço funciona como espaço para associações, clubes ou núcleos de vários tipos: desde a caça e pesca, aos automóveis e bicicletas, à columbofilia ou apicultura. Foi essa a iniciativa mais comum nas câmaras, por resolver dois problemas: dar resposta aos pedidos das associações para terem um espaço e não deixar as escolas ao abandono.
A Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, por exemplo, atribuiu a associações e grupos comunitários três das cinco escolas fechadas. Uma funciona como associação de caçadores; outras duas acolheram projectos da comunidade local (Casa das Avós e Casa do Cante).
Casas e capelas
Transformar as escolas em habitação é menos comum. São apenas 35 as escolas que são casas e, entre elas, algumas foram vendidas a particulares. Para além de Terras de Bouro, também em Ponte de Lima, Santa Marta de Penaguião e Marvão há famílias alojadas nas antigas escolas.
No caso de Terras de Bouro, o investimento envolvido em Gilbarbedo, a cargo da autarquia, foi de oito mil euros. “A mão-de-obra foi do município e aproveitámos os recursos que temos. As casas foram equipadas com exaustor, fogão, esquentador ou cilindro, salamandra e lava-loiça”, explicou Liliana Machado, vereadora responsável pela acção social, educação, juventude, saúde e emprego.
Já os casos de escolas que funcionam como capelas, casas mortuárias ou espaços usados pelas paróquias são em maior número: são 87. Alcoutim é um desses casos: das 21 escolas encerradas, sete são capelas e uma é casa mortuária, criadas como resposta a pedidos da comunidade e por falta de espaços alternativos.
Ranchos e bandas filarmónicas também usam as escolas como espaços de ensaios. São mais de 100 pelo país fora e só em Soure são seis os espaços dedicadas aos grupos corais e musicais, entre as 21 escolas fechadas.
Há ainda postos da GNR e da PSP, como em Santiago do Cacém e em Beja; ou cafés e restaurantes, como em Vila Pouca de Aguiar, Boticas e Lajes das Flores. Cerca de 40 escolas funcionam como museus, teatros e bibliotecas; e, no total, cerca de 60 escolas foram vendidas ou ainda estão à venda.
Novas funções reflectem a demografia do país
O reordenamento da rede escolar teve o primeiro impulso em 2005 quando o Ministério da Educação decidiu encerrar as escolas com menos de dez alunos, alargando-se em 2010 às escolas com menos de 21 alunos. Segundo o Ministério da Educação e Ciência, entre o ano lectivo de 2005/2006 e 2012/2013 encerraram 4197 escolas.
Em Ourém, onde fecharam 63 escolas, “o reordenamento trouxe melhores condições aos alunos”, na opinião do presidente da câmara, Paulo Fonseca. “Se não vivêssemos este tempo agora, estávamos empenhados em fazer centros escolares e em cobrir totalmente a rede do concelho. Dada a situação e também a emigração – temos este ano menos 200 alunos, filhos de novos emigrantes – não se justifica investir em mais centros.”

Quanto à reutilização das escolas, a autarquia prefere “zelar pelo património”, mantendo os edifícios enquanto propriedade da câmara e assegurando a sua utilização através de protocolos de cedência a associações, por exemplo. “Quem vende, perde sempre. E a venda também não resolve nenhum problema financeiro.”
A Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) reconhece o esforço financeiro dos municípios na construção dos centros escolares, no fornecimento de refeições, nas actividades extra-curriculares, assim como nos transportes das crianças, que “só foi suportado pelo Ministério da Educação nos dois ou três anos seguintes ao encerramento da escola”. No aproveitamento das antigas escolas a ANMP vê uma forma de “manter vivos os espaços colmatando aquilo que é a grande preocupação dos centros de baixa densidade populacional”.
Jovens e idosos de volta à escola
Há quem veja a situação de outro prisma. “Tirar as crianças das zonas rurais acelerou a sua desertificação. A partir do momento em que as crianças saíram, os pais também saíram. As comunidades ficaram mais pequenas, isoladas e perdidas”, considera Rui d’Espiney, sociólogo e presidente do Instituto de Comunidades Educativas (ICE), que desde os anos 1990 desenvolve um projecto de combate ao isolamento das escolas em zonas rurais através da interacção entre gerações.
Criar espaços de convívio para a população idosa, apostando na educação de adultos, torna possível em parte “compensar a perda” que a saída das escolas representou, aponta Rui d’Espiney. A Casa das Avós em Reguengos de Monsaraz é um dos exemplos de espaços de convívio, com a particularidade de ter sido criado por iniciativa da comunidade.
Em muitos casos é a população idosa que está a utilizar as escolas – há vários centros de dia, de convívio, de saúde ou pólos de formação para a terceira idade. Juntar-lhes os jovens, em projectos com uma abordagem integrada, “com mais proximidade e mais relações inter-geracionais”, é a sugestão dada por Fernando Ilídio Ferreira, professor no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, que tem estudado a ligação da criança à escola.
Se a criação dos agrupamentos trouxe uma “perda da dimensão humana das relações” na opinião do professor, a reutilização das escolas consegue ter efeitos positivos: dar nova vida às comunidades locais ao trazer jovens e idosos para as antigas escolas é um deles.