As boas e as más notícias

Na Internet encontramos com facilidade “dicas” (é assim que lá está) para bem escrever na imprensa. Os conselhos incluem: uma criteriosa escolha de palavras, um texto breve e simples para não cansar o leitor, o uso frequente de um bom dicionário de sinónimos, o contínuo equilíbrio entre frases curtas e longas, a fuga aos adjectivos e provérbios e o foco persistente no que se quer demonstrar ou informar.

Estes conselhos estão certos e era bom que fossem seguidos. Nalgumas publicações falta a escrita correcta e abundam frases mal construídas, não sendo raro o deslize ortográfico ou a informação não verificada. O mais importante, todavia, é o impacto da notícia em cada um de nós, o que tem a ver com o momento de vida em que nos encontramos e com os valores que norteiam o nosso rumo.

Deste modo, a nossa leitura é sempre subjectiva e gostamos de um texto se ele se enquadra nos nossos interesses, informa sobre o que não sabemos ou traduz os nossos pontos de vista. Em relação aos comentadores e “politólogos” que preenchem o espaço televisivo, é frequente dizer que “gostamos” de um e “detestamos” outro, porque são a dimensão afectiva e as crenças que moldam a nossa opinião.

Esta perspectiva dos valores e dos afectos modela a maneira como apreciamos uma notícia. Reagimos com interesse se o texto nos toca no íntimo, ou se nos traz informação pertinente ou até aí desconhecida.

Hoje trago aos nossos leitores duas notícias que me tocaram no final de Fevereiro:

1 — Uma má notícia: uma ama está a ser julgada por agressões graves a duas crianças a seu cargo, numa creche clandestina em Lisboa. À justiça disse “estar no limite”, por morte do marido com doença de Alzheimer, mas também por sobrecarga, pois tinha a seu cargo 17 crianças num apartamento de quatro assoalhadas (a lei só permitiria cuidar de 4). A denúncia foi feita pelo vídeo de um vizinho, que filmou a agressão e se apressou a contactar um canal de televisão. A ama pediu desculpa e alguns pais, no tribunal, manifestaram a sua surpresa, pois tinham boa opinião da creche.

Esta notícia é, infelizmente, o retrato de muitos problemas da sociedade de hoje. Vejo pais sem horas para estar com os filhos (um pai confessou deixar o filho na creche até à uma da manhã!), falta de creches oficiais em boas condições, pequeno número de amas certificadas com supervisão, uso frequente de filmagens sobre a vida privada que se passa à nossa volta e recurso rápido à notícia sensacionalista na televisão (embora, neste caso, admito que a denúncia terá sido útil). Foi um texto muito bem escrito por Ana Henriques no PÚBLICO e que nos faz pensar sobre a situação difícil de muitas crianças dos nossos dias.

2 — Uma boa notícia: que os leitores me perdoem a provável cumplicidade fraterna, mas a chegada a Portugal de estudantes universitários sírios, organizada pela Plataforma Global de Apoio aos Estudantes Sírios (APGES), liderada por Jorge Sampaio, marcou o último fim-de-semana de Fevereiro. Por uma razão: é uma iniciativa que, à escala mundial, promove valores de solidariedade e cidadania plena. Esta ideia mobilizou vontades, apoios nacionais e internacionais e, sobretudo, traduziu-se por uma acção prática que permite a dezenas de jovens sírios saírem do cenário de guerra e continuarem a estudar.

Nos momentos de crise, as boas notícias fazem-nos bem.

 

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