Nós e as crianças

Há uma semana participei num Curso de Pós-Graduação da Fundação Brazelton-Gomes-Pedro, destinada ao estudo das crianças e das famílias

A fundação, em boa hora constituída em Portugal para fornecer um contexto formativo a todos os que se interessam pela vida infantil, tem reunido um conjunto de intervenções muito úteis para a prática dos técnicos que trabalham com crianças e jovens.

T. Berry Brazelton, hoje com 95 anos, é um pediatra americano com grande influência junto de educadores e de famílias com crianças. Autor de mais de 20 livros — vários deles publicados entre nós —, tem sido capaz de nos “traduzir” a linguagem do bebé e de o apresentar como alguém muito competente no diálogo precoce com a mãe e o pai, em vez de um ser incapaz de ter existência própria, como nos foi tantas vezes transmitido na primeira metade do século XX. O pediatra português João Carlos Gomes-Pedro tem sido, em Portugal, o grande continuador da obra de Brazelton.

O curso que referi teve o maior interesse e as suas conclusões deveriam ser conhecidas por todos os que se dedicam ao trabalho com crianças. Por limitações de espaço, destaco apenas algumas intervenções.
A psicóloga Madalena Alarcão alertou para a intervenção junto das famílias com múltiplos problemas, que vivem sujeitas a vários agentes de stress, sem que os seus recursos e as suas respostas sejam adequados para a resolução dos problemas. Estes agregados familiares manifestam, com frequência, grandes dificuldades no exercício da parentalidade e recorrem muitas vezes aos serviços de apoio, sem que, infelizmente, uma intervenção coordenada seja a regra. Mostram-nos um discurso permanente de carência e défice, que esconde a sua verdadeira história e ignora as possíveis competências para ultrapassar a crise. Madalena Alarcão defendeu uma intervenção sistémica nestas famílias, com revisitação das suas histórias de vida e das suas forças e recursos. Foi evidenciado no debate a dificuldade de muitos técnicos em ultrapassarem a visão negativa que muitas vezes têm destas famílias e a necessidade de actuarem de outro modo, com vista a um fortalecimento da sua rede relacional e aumento da capacitação cívica.

O filósofo Barata Moura centrou a sua intervenção na relação que estabelecemos com as crianças, no fundo no “nós e as crianças” que escolhi como título desta crónica. A sua tese é que o mundo da criança “vai-se construindo nelas connosco”, mas que “portamo-nos o melhor possível com as crianças... mas portamo-nos pouco” ou noutra versão “nunca nos preocuparemos de mais, mas ocupamo-nos de menos”. Neste curso intitulado “O bebé e as suas circunstâncias”, Barata Moura defendeu a urgência de criarmos “disponibilidade para sermos circunstância” junto das crianças, única forma de estabelecermos uma relação de confiança básica, estruturante de um relacionamento que permita o crescimento emocional dos mais novos.

Num momento da sociedade portuguesa em que prolifera o individualismo e em que a escola se transforma dia após dia num ambiente onde é difícil ensinar e aprender, todos os que se preocupam com o futuro deveriam meditar nestas mensagens de transformação e esperança, contidas nas principais apresentações da Fundação Brazelton-Gomes-Pedro.

Esta crónica foi publicada na Revista 2, edição de 22 de Dezembro de 2013

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