Políticos devem abster-se de negociar à mesa, aconselham juízes

Há uma necessidade “imperiosa e urgente” de se assumir em Portugal, de uma vez por todas, que a actividade de lobby existe e deve ser “regulada com regras claras”.

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Start Campus está no centro da Operação Influencer Nuno Ferreira Santos
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Apesar de estarem convencidos de que os arguidos da Operação Influencer não cometeram quaisquer crimes, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa deixam críticas ao convívio à mesa entre políticos e empresários que existia neste e em tantos outros casos.

“O recurso a almoços e jantares em que políticos e promotores de projectos de investimento se juntam à mesa da refeição para acertar estratégias de solução de problemas e de condução de procedimentos de licenciamento (…) deveria ter sido evitado, porque não é correcto e gera uma percepção de opacidade, promiscuidade e ilegalidade”, pode ler-se no acórdão.

“Estes assuntos deveriam ter sido debatidos (…) no ambiente formal dos gabinetes dos ministérios, das secretarias de Estado ou do município de Sines. Os almoços, jantares e outros convívios são adequados é no desenvolvimento das relações familiares e de amizade”.

Para os três magistrados que assinam a decisão, o que revelam estes comportamentos é a necessidade “imperiosa e urgente” de se assumir em Portugal, de uma vez por todas, que a actividade de lobby existe e deve ser “regulada com regras claras”. Afinal, acrescentam, não vale a pena negar as evidências: “Os diferentes grupos de interesse tentarão sempre influenciar o processo decisório que afecte os seus interesses”, e quanto menos regras houver pior é.

O que distingue o lobbying do tráfico de influência, continuam, é que a primeira prática assenta na persuasão lícita dos decisores públicos através de argumentos técnicos, científicos ou económicos, enquanto a segunda, ilegal, consiste em manipular esses decisores oferecendo-lhes contrapartidas.

Já no que diz respeito à captura do poder legislativo invocada pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa admite que o Governo liderado por António Costa possa ter produzido três diplomas legais talhados à medida dos interesses da Start Campus, o consórcio internacional criado para lançar e gerir o mega-centro de dados em Sines. Seria o caso do decreto-lei 80/2023, que instituiu um procedimento excepcional para atribuição de capacidade de ligação à rede de instalações de consumo de energia eléctrica em zonas de grande procura, visando concretização de investimentos industriais, ou do decreto-lei 11/2023, que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais. “Poderão, no limite, configurar crimes de corrupção por terem sido leis à medida das conveniências da Start Campus, sem as características de generalidade e abstracção que todas as normas jurídicas devem ter como condição da sua existência”, alvitram os magistrados.

Sucede que os investigadores não apresentaram até ao momento indícios fortes dessa sua tese, lamentam. Era imperioso que tivessem apresentado os rascunhos desses diplomas legais que os arguidos terão mandado fazer em grandes escritórios de advogados, como a PLMJ, para que fosse possível comparar a legislação publicada em Diário da República com esses textos redigidos por encomenda.

O Tribunal da Relação de Lisboa optou nesta decisão por não se pronunciar sobre o Simplex dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, que pretende acabar com exigências administrativas desproporcionadas e que dificultavam o investimento nacional e estrangeiro, uma vez que, depois de o fazer aprovar em Conselho de Ministros, o Governo submeteu ao Presidente da República uma nova versão do documento sem a norma apontada pelos investigadores como tendo também sido feita à medida do mega-projecto de Sines.

A norma banida dispensava de licenciamento municipal, em termos equiparáveis a obras da administração pública, operações urbanísticas (promovidas por entidades privadas em parques industriais ou empresariais com o selo de Potencial Interesse Nacional (PIN), como era o caso do Start Campus.

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