Entrevista

Nelson Évora responde aos leitores: "O triplo salto faz mal à saúde"

Depois de se ter estado no auge e das lesões que sofreu, onde é foi buscar motivação para treinar todos os dias? Onde se vai buscar forças para começar tudo do zero? Tens algumas dicas em particular para ultrapassar esses momentos difíceis?

Maria João Luz
Ricardo Moreira
Mariana Almeida

Inicialmente, temos de ter pessoas que acreditem em nós e que nos motivem: amigos, familiares. Graças a Deus, eu tive a minha irmã, que foi incansável para não me deixar cair. Depois, tive o meu fisioterapeuta, que já conhecia há alguns anos e que trabalhou desde o dia em que fui operado até ao dia em que voltei aos treinos a 100%. Precisamos sempre de alguém para nos dar apoio. Dentro de mim, o que tinha era o sonho de voltar a competir e de contrariar o que era o mais fácil: a derrota e desistir. Quando um grande desastre nos acontece, o mais fácil é virar costas e seguir um caminho diferente. Sou teimoso e quase todas as pessoas que conheço não acreditavam que eu voltasse a saltar. Fui buscar um pouco dessa teimosia, persistência, resiliência, para voltar a competir e a lutar por medalhas. Por incrível que pareça, consegui transmitir a mensagem de que nunca devemos desistir.

Teve medo de não poder voltar a competir?

Carolina Santos

Sem dúvida. Como qualquer pessoa que passa por um processo de recuperação tão grave, como é uma fractura exposta. O primeiro panorama é sempre o pior: não voltar a fazer desporto. É um drama enorme. Estive sempre focado no factor competição, enquanto os médicos e fisioterapeutas diziam que eu devia era focar-me na saúde. Mas isso não era suficiente para mim.

Gostaria de saber se Nelson Évora tem consciência de que a sua modalidade é um erro de anatomia humana, podendo, mais do que as outras modalidades do atletismo, provocar lesões graves?

Vítor Serra

Tenho perfeita noção de que o triplo salto é a disciplina mais dura do atletismo. O movimento inicial do triplo salto, que é o coxinho, a alta velocidade, é um movimento antinatural. E todo o processo de treino, com muitas repetições deste movimento, acaba por nos fazer mal à saúde.

Naqueles saltos a que antes deveríamos chamar "voos", nunca teve a ilusão de que ia ganhar asas e ficar a planar sobre o estádio?

José Martinho Gaspar

Quando um salto é bem feito, sentimo-lo como um só e não como um triplo salto. Fazemos com que a energia flua connosco. Quando chegamos ao último salto, a única coisa que queremos é estar muito equilibrados e muito perto da caixa de areia. Se assim for, temos a consciência de que vai ser um grande salto.

O que pensa quando bate para o último salto do triplo salto? Tem ideia de algum pensamento que o tenha marcado, no meio da execução?

José Ribeiro e Castro

O único pensamento que eu tenho realmente quando faço a saída para o último salto é que quero ficar o máximo de tempo no ar e aproveitar para ganhar o máximo de centímetros que puder para bater recordes. Não há um pensamento concreto. É tão rápido que a única coisa que nós queremos é mesmo tocar no chão o menos possível e permanecer o maior tempo possível no ar.

Achas que a confiança e a exigência de resultados reclamadas pelo povo português aos seus atletas são proporcionais ao apoio que o Estado dá a esses atletas?

Dany Gonçalves

Não. A exigência que nos é imposta não corresponde ao sacrifício que nós fazemos. As pessoas não têm a noção de que nós temos de pôr de parte muita coisa para podermos fazer desporto em Portugal. Tirando o futebol, em que se ganha muito bem, todas as outras modalidades não são tão bem remuneradas. Eu arrisco dizer que os atletas que fazem desporto de alto rendimento o fazem porque gostam de desporto. O meu pai, quando falava do que era fazer desporto no tempo dele, dizia que se fazia desporto por prazer. Infelizmente ainda é assim. Embora existam mais contrapartidas actualmente, as pessoas não têm a noção do que nos é exigido. Querem que sejamos os melhores do mundo, mas não nos é dado apoio em troca. E isso é um pouco ingrato, existe sempre um sentimento de injustiça. Quando conseguimos lá chegar, dizemos: bolas, lutei tanto para aqui chegar e acho que não vou ter o tratamento devido por ser o melhor.

Porque é que existem actualmente milhares de pessoas a correr em Portugal e a encherem todos os fins-de-semana várias provas de estrada e trail, mas os meetings de atletismo e campeonatos nacionais em pista ou na estrada estão praticamente vazios de público?

Luís Matias

O ponto número um é a falta de comunicação, é as pessoas não saberem que vai haver uma prova de atletismo. Outro ponto importante é o facto de as pessoas não terem uma cultura desportiva vasta. Ver desporto é ir ver um jogo de futebol e mesmo assim só entram o Benfica, o Sporting, FC Porto, algumas vezes o Braga e poucos outros. Só estes enchem os estádios. Isto acaba por influenciar esse desinteresse do povo português acompanhar os seus desportistas em várias modalidades, seja no atletismo, no judo ou outras modalidades. Acabamos por competir sempre com os nossos recintos vazios e, quando entramos nas principais competições, parece que as pessoas acompanham, mas não acompanharam todo o processo até chegarmos lá.

Nelson Évora é uma figura influente no mundo do atletismo e não só. Como é que a comunicação social tem retratado a sua imagem e de que modo é que essa mesma imagem tem influência em si?

Pedro Almeida

A comunicação social segue muito o que é comercial. Acho que me dá importância, não tenho razões de queixa, mas fala-se muito pouco sobre desporto. Os jornais da área, desportivos, deviam falar um pouco mais sobre as modalidades e não o fazem. Não sei se é porque as pessoas não procuram as modalidades ou se os jornais não estimulam as pessoas – porque sai uma página sobre modalidades e um jornal cheio de detalhes sobre futebol.

Qual é para si o sentido da vida?

João Pedro Caria

O sentido da vida é ser feliz. Para mim não faz sentido ser o melhor triplo saltador do mundo e bater recordes, se isso não me fizer feliz, se não me fizer completo. O principal motivo da vida é ser feliz e o amor que podemos ter entre amigos e a família.

O Nelson confia que vai bater o seu recorde nos Jogos Olímpicos?

Adriana Lopera

Confio que isso vai acontecer e espero ir bem mais além do meu recorde pessoal. Mas se chegar ao meu recorde pessoal, já ficarei muito satisfeito.

Como é que a vida de um superatleta pode servir de modelo para outras áreas da nossa sociedade, seja o ensino, a cultura, a saúde?

Rodrigo Vaz Pinto

Já o é. O facto de as pessoas me perguntarem como o faço, porquê, com que propósito já é um sinal de que sou um modelo de comparação para as suas vidas pessoais. Tanto assim é que fazemos muitas vezes palestras para falarmos como é o nosso dia-a-dia, a nossa realidade, como funcionamos como líderes…

O que faria o Nelson (que é baha'i), se fosse convidado a participar numa competição no Irão (onde os baha'i são perseguidos)?

Marco Oliveira

Muito boa pergunta. Acho que não faltaria à prova, embora talvez não fosse tão bem recebido. Temos de dar sempre o corpo ao manifesto para deixar uma mensagem mais forte, de paz.

Concorda com o uso da imagem de Jesus na recente campanha do Bloco de Esquerda?

Joaquim Caeiro

As pessoas devem respeitar. Há liberdade de expressão, mas penso que devemos respeitar as outras religiões. Já aconteceu o mesmo no caso Charlie Hebdo e acabou por acontecer o que aconteceu. As pessoas ficaram indignadas, porque as caricaturas foram usadas sem mau propósito, mas é preciso ver o outro lado. De alguma forma também temos de ver o outro lado. A religião é um tema muito sensível e, enquanto as religiões não forem unidas, não devemos usar este tipo de mensagens. Concordo que não deve haver limites à liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo é preciso que haja respeito. E para saber se estamos a respeitar, temos de conhecer os outros.

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