Vírus descobertos em rins de morcego na China indicam nova via de transmissão
Equipa chinesa desvendou novos vírus, espécies de bactérias e parasita nos rins de morcegos. Os patógenos não indicam risco iminente para os humanos, mas dão pistas sobre onde procurar estas ameaças.
Uma investigação no Sudoeste da China, na província de Yunnan, desvendou novos vírus, espécies de bactérias e um novo parasita em rins de morcego. Mais do que a descoberta de novos vírus – dois dos quais próximos dos agressivos vírus Nipah e Hendra –, o trabalho desenvolvido indica que os rins dos morcegos podem ser um reservatório de vírus. Consequentemente, além dos rins, também a urina de morcegos pode ser uma via de transmissão de vírus com capacidade de saltar dos animais para os humanos.
A descoberta de dois novos henipavírus, a família de vírus que inclui os vírus Nipah ou Hendra, causa preocupação pelo que conhecemos deste conjunto de patógenos. Tanto o vírus Nipah como o vírus Hendra são famosos por causarem infecções graves e “frequentemente fatais em humanos e animais”, como explica Nuno Taveira, professor catedrático da Escola de Saúde e Ciência Egas Moniz, em Almada. “Estes vírus pertencem à família Paramyxoviridae, que inclui outros agentes patogénicos importantes, como o vírus do sarampo e o vírus sincicial respiratório”, acrescenta o também investigador do Instituto de Investigação em Medicamentos da Universidade de Lisboa.
Esta não é, no entanto, uma preocupação imediata, dado que os resultados da equipa de investigação chinesa, publicados esta terça-feira na revista PLOS Pathogens, mostram que não há risco iminente de disseminação destes vírus – ou dos outros vírus, bactérias e parasitas encontrados.
O aspecto mais relevante está nos rins dos morcegos. Estes mamíferos voadores são reservatórios naturais para imensos microorganismos, incluindo alguns problemáticos para os humanos – por exemplo, os vírus do Ébola ou Nipah. Ao dissecarem 142 morcegos de dez espécies distintas, recolhidos ao longo de quatro anos na província de Yunnan, os investigadores do Instituto de Controlo e Prevenção de Doenças Endémicas (em Yunnan, China) identificaram 22 vírus, entre os quais 20 nunca descritos anteriormente. Descobriu-se ainda um novo parasita – nomeado Klosiella yunnanensis – e duas espécies de bactérias muito abundantes, entre as quais uma novidade absoluta – a Flavobacterium yunnanensis.
A explicação para estas novidades, dado que os morcegos têm sido amplamente estudados, está precisamente nos rins. “A descoberta é relevante por apontar os rins — e potencialmente a urina dos morcegos — como uma via de transmissão de vírus com potencial zoonótico”, nota Nuno Taveira. A investigação virológica tem-se focado sobretudo no estudo de fezes, sendo que este trabalho – que corrobora outro publicado em 2023 na revista Nature Communications – abre a porta ao estudo dos órgãos e da urina como “casa” para vírus e outros microorganismos que podem saltar para os humanos.
Nuno Taveira avisa que a “baixa similaridade genética” observada em algumas proteínas torna “improvável” que estes novos vírus consigam dar o salto para infectar humanos. “No entanto, não foram realizados testes para verificar se as glicoproteínas de superfície (G) desses novos henipavírus conseguem ligar-se aos receptores celulares humanos — nomeadamente a efrina-B2 e efrina-B3, que são essenciais para a entrada dos vírus Nipah e Hendra em células humanas”, diz o investigador português, sublinhando que isto reforça a conclusão de que estes vírus não são um risco iminente para a população.
Atenção às zoonoses
Os candidatos às próximas pandemias somam-se enquanto a investigação científica continua a desvendar os mecanismos de transmissão, a evolução de alguns dos principais candidatos e a procura de métodos para contrariar futuros problemas de saúde pública. As zoonoses são a aposta mais segura da maioria dos cientistas. Ou seja, um “salto” de um vírus ou bactéria de animais para humanos, como aconteceu com o Ébola, a mpox ou o vírus de Marburgo.
A gripe das aves (do subtipo H5N1) surge como o cenário mais provável para uma futura pandemia em virtude da sua disseminação nos últimos dois anos, inclusive com casos em humanos. Falta-lhe ainda o “salto final”, isto é a capacidade de se transmitir de humano para humano – ainda por concretizar.
“Embora os resultados não indiquem um risco iminente, reforçam a importância da vigilância virológica em reservatórios animais, sobretudo em regiões com elevada diversidade viral, como o Sudeste asiático”, realça Nuno Taveira.
Um relatório do ano passado conduzido pelo Conselho de Monitorização da Preparação Global, grupo criado em 2018 pela Organização Mundial da Saúde e pelo Banco Mundial para avaliar a capacidade de preparação do planeta face a ameaças globais, identificou três factores cruciais na resposta a uma futura emergência de saúde pública global: a desconfiança entre países, que pode contribuir para ocultar informação; a desigualdade social, que garante menos vigilância e tratamentos nas regiões mais pobres; e a agricultura intensiva, responsável pelo aumento do gado vivo comercializado em todo mundo e que, sem os devidos cuidados, serve de transporte para as doenças zoonóticas.