Alegre arrepende-se da segunda candidatura a Belém, mas não da primeira em que bateu Soares

O fundador do PS, Manuel Alegre, critica o “espírito interventivo” mas “por vezes complicativo” de Marcelo Rebelo de Sousa.

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Nelson Garrido

"O que lá vai, lá vai", disse Mário Soares a Manuel Alegre por telefone, tratando-o por "querido amigo" e, desde então, até à morte do antigo líder e fundador do partido foram "queridos amigos". "O que lá vai" era a candidatura presidencial de Manuel Alegre, em 2006, à procura de suceder a Jorge Sampaio, em que o poeta se candidatou como independente (1,127 milhões de votos) e ficou à frente de Soares, apoiado pelo PS, por quase 350 mil votos.

Com os socialistas divididos, foi mais fácil a Cavaco Silva ganhar à primeira volta com 50,64%. Apesar de já ter passado pela Presidência da República por dois mandatos, entre 1986 e 1996, Mário Soares ainda tentou, aos 81 anos, um regresso inédito a Belém, sendo o candidato oficial do PS, o que causou alguma controvérsia entre os socialistas. A ambição de ambos cavou um fosso entre os dois fundadores do partido e dentro deste.

Mas ainda hoje é notório o ressentimento de Manuel Alegre: "Arrependo-me da segunda candidatura à Presidência da República, não da primeira", diz o poeta e fundador do partido ao podcast oficial do PS Tem a Palavra... "Provavelmente eu teria ganho as eleições, mas enfim... isso foi o que lá vai", acrescenta.

Alegre conta que depois desse afastamento Soares adoeceu e que telefonava "todos os dias a saber dele". "Um dia recebi um telefonema; era o próprio a dizer 'o que lá vai, lá vai' e a tratar-me por 'querido amigo'. E assim começámos como queridos amigos e assim acabámos também como queridos amigos."

O poeta e fundador do PS com Soares, há 50 anos, diz ter saudades do ex-Presidente e que este "faz falta". Mas tem consciência de que se ele ainda estivesse por cá (teria agora 98 anos) dir-lhe-ia "coisas boas e diria coisas desagradáveis" e que também "fariam falta [dizer] ao país".

Ao país, ao PS e provavelmente ao actual Presidente da República, de quem Alegre diz ter "um papel muito interventivo, por vezes bom porque serena os espíritos, outras vezes complicativo".

Falando sobre o actual momento e a ameaça de dissolução que paira constantemente no ar, considera que o PS "tem tido muita prudência dado que a cooperação institucional é importante para a estabilidade". "O Presidente da República não pôs em causa a estabilidade, apenas faz comentários demais, isso é um facto", aponta, numa clara alusão ao facto de Marcelo Rebelo de Sousa falar frequentemente nos poderes que a Constituição lhe confere.

"E esses comentários depois dão origem a especulações. Mas ele foi muito claro em dizer que não estava no seu espírito a vontade de dissolver a Assembleia da República."

Polémicas sobre dissolução à parte, o PS "deve fazer um balanço positivo daquilo que fez (...) deve-se orgulhar daquilo que fez: manteve as contas certas, ultrapassou a pandemia", aprovou algumas leis de bases. E "tem motivos" para esse orgulho, "independentemente de alguns erros cometidos e de outros episódios".

Questionado sobre se António Costa é o homem certo para conduzir o PS, Alegre responde ser sua opinião que "António Costa é o sucessor de António Costa". Na prática, Costa deverá ser sucessor de si próprio mais duas vezes, se esta legislatura for até ao fim (2026): os mandatos do secretário-geral são de dois anos e as próximas directas deverão ser em 2023 e em 2025.

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