Filhos de ex-combatentes portugueses deixaram coroa de flores ao "pai desconhecido"

Em 11 anos de guerra passaram por um país do tamanho aproximado do Alentejo cerca de 200 mil homens

Um grupo de guineenses, que são filhos de ex-combatentes portugueses da guerra colonial com mulheres guineenses mas que não conhecem os seus pais, criou uma associação para defender o direito à cidadania portuguesa e a conhecerem os progenitores. Depositaram ontem uma coroa de flores "ao pai desconhecido" no cemitério de Bissau, segundo o presidente, Fernando Hedgar da Silva.

A Associação de Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné foi criada na sequência de uma reportagem do PÚBLICO (disponível em http:/www.publico.pt/filhos-do-vento) que deu a conhecer a realidade destes filhos que os militares portugueses deixaram para trás depois do conflito. Não tinham nascido ou ainda eram crianças quando os pais voltaram para Portugal. Hoje, andam na casa dos 40-50 anos.

A maioria nunca conheceu os pais, tem deles apenas nomes ou dados dispersos, e poucos foram os que, na Guiné, tiveram meios para descobrir o seu paradeiro. Esta associação junta cerca de 50 filhos, apenas de Bissau, mas quer representar um número indeterminado de pessoas nas mesmas circunstâncias. Para Fernando Hedgar da Silva, "são centenas de pessoas espalhadas pelo país". Na cerimónia de ontem de manhã, estiveram presentes dez.

O grande objectivo da associação é tentar que estes filhos obtenham a cidadania portuguesa, porque, defendem, embora não tenham sido oficialmente reconhecidos, são filhos de pais portugueses. Ao mesmo tempo, o que muitos querem é entrar em contacto com os pais, explicou o presidente. Estão neste momento a tentar ser recebidos na Embaixada de Portugal.

O presidente da associação, Fernando Hedgar da Silva, nasceu em 1968 e é camionista. A mãe vivia junto ao quartel português de Canchungo (ex-Teixeira Pinto), o pai esteve na Guiné de 1966 a 1967. Era furriel. O secretário da nova associação é o técnico agrário José Maria Indéqui. Nasceu a 1971, o pai esteve colocado no quartel de Pelundo, vivia com a mãe e tiveram mais duas raparigas. Diz que os filhos dos portugueses na Guiné são "cidadãos de segunda". Fátima Cruz é a tesoureira. Nasceu em 1975, é comerciante de roupa em Bissau. O pai esteve no quartel de Empada e de Cutia, a sua comissão foi de 1973 a 1974. A mãe era lavadeira do pai. Fátima conta que ainda terá sido o pai a escolher-lhe o nome.

Em 11 anos de guerra, que na Guiné começou em 1963, até à independência, em 1974, passaram por um país com o tamanho aproximado do Alentejo cerca de 200 mil homens portugueses.

Na altura da reportagem, o PÚBLICO questionou a embaixada portuguesa em Bissau. Responderam que, no último ano, o Gabinete do Adido de Defesa registou três casos de pessoas que fizeram perguntas sobre pais ex-combatentes. Na Cruz Vermelha em Bissau, Valério Candete, responsável pelo restabelecimento de laços familiares, disse que, desde 2010, recebeu 13 pedidos de informações sobre pais portugueses do tempo da guerra.

Nos Estados Unidos, os filhos dos soldados americanos com mulheres vietnamitas, que nasceram de ligações ocorridas durante a guerra do Vietname (1965-1973), são conhecidos como amerasians (fusão das palavras americanos com asiáticos). Em 1987, uma lei criada para o efeito, o Amerasian Homecoming Act, deu-lhes o direito de entrada no país como imigrantes, sem necessidade de haver provas de paternidade. Emigraram para os Estados Unidos 26 mil filhos.

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