Depoimentos de Bataglia e de tio de Sócrates não valem como prova na Operação Marquês

Em causa estão declarações do empresário luso-angolano e do tio de Sócrates realizadas no âmbito do processo Monte Branco.

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MANUEL DE ALMEIDA

O juiz Ivo Rosa considerou, num despacho assinado na sexta-feira passada, que o depoimento do empresário luso-angolano Hélder Bataglia, realizado em Fevereiro de 2017 no processo Monte Branco, e que foi apresentado pelo Ministério Público, não pode valer como prova na Operação Marquês. O mesmo disse de declarações proferidas pelo tio do ex-primeiro-ministro José Sócrates, António Bernardo Pinto de Sousa, em Outubro de 2015, também no âmbito do processo Monte Branco.

Esta quarta-feira continuam as diligências de instrução da Operação Marquês, com o interrogatório do antigo administrador da PT, Zeinal Bava, acusado de cinco crimes.

Isso mesmo já tinha feito o juiz com dois depoimentos do antigo banqueiro Ricardo Salgado, um igualmente no processo Monte Branco e outro na investigação ao colapso do BES/GES.

A justificação do juiz de instrução da Operação Marquês foi sempre a mesma: dois artigos do Código de Processo Penal referem que as declarações dos arguidos, que actualmente já podem ser usadas em sede de julgamento mesmo que o suspeito se mantenha em silêncio, são válidas apenas nos depoimentos feitos “no processo”. Ora, como estas foram feitas noutros inquéritos, não podem ser valoradas.

“Conforme resulta claro da letra da lei, o que o legislador quis dizer é que apenas podem valer como meio de prova as declarações de arguido prestadas no processo e não todas e quaisquer declarações de arguido prestadas em outros processos”, escreve o juiz.

“Na impossibilidade de valorar como prova” estas declarações de Bataglia e do tio do Sócrates – que não é arguido na Operação Marquês –​, sustenta Ivo Rosa no despacho a que o PÚBLICO teve acesso, tem como consequência “a impossibilidade de utilizar, nesta fase processual, essas declarações para formar qualquer juízo de indiciação”, lê-se no documento.

Não é claro qual é a relevância destes dois depoimentos. Relativamente a Bataglia, o arguido que está acusado de 10 crimes na Operação Marquês tinha sido interrogado menos de um mês antes no caso que tem o epicentro em Sócrates. Estas declarações comprometedoras para Ricardo Salgado, que disse ter-lhe pedido para encaminhar dinheiro para contas controladas pelo empresário Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates, não estão comprometidas.

Recorde-se que em final de Maio foi noticiado um outro despacho de Ivo Rosa que lançava dúvidas sobre a legalidade de algumas provas que foram integradas no processo da Operação Marquês mas recolhidas numa outra investigação, neste caso ao investimento de quase 900 milhões de euros da PT na Rioforte, uma empresa do GES, pouco antes do grupo colapsar. Em causa estão emails e outros ficheiros informáticos apreendidos em buscas realizadas às instalações da PT e à consultora PWC, em Janeiro de 2015.

O problema é que o Ministério Público pediu que o juiz de instrução Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, se considerasse incompetente neste caso – o que este aceitou em finais de 2014, considerando outro tribunal competente. Mesmo assim, Carlos Alexandre determinou a realização das buscas, consideradas urgentes pelo Ministério Público. Neste caso, Ivo Rosa ainda não tomou nenhuma decisão final, pedindo, antes de o fazer, aos advogados e Ministério Público para se pronunciarem. A esmagadora maioria das defesas pede que Ivo Rosa considere inválidos os elementos obtidos naquelas buscas, um desfecho rejeitado pelo Ministério Público. Há pelo menos uma defesa que admite que parte da prova possa ser salva. 

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