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“Era o mar, era a terra e era a baleia”

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Bote Baleeiro

Cachalote

“Era o mar, era a terra e era a baleia”

Começou no século XIX e só terminou mais de cem anos depois. O último cachalote foi caçado nas águas dos Açores há 30 anos. Ao longo de dois anos, um realizador açoriano e um investigador lisboeta viajaram por todo o arquipélago para ouvir e gravar as histórias dos baleeiros que ainda restam. Não estão à procura de novos enigmas, só de mergulhar ainda mais neste mistério.

A embarcação

O bote açoriano reflecte a história da baleação no arquipélago, que tem as suas origens na experiência dos açorianos na caça à baleia norte-americana. A embarcação descende em linha directa das canoas que seguiam nos grandes navios baleeiros americanos nos séculos XVIII e XIX. A partir de 1850 e durante as cinco décadas seguintes - as primeiras da caça à baleia nos Açores - os botes americanos ainda foram usados no arquipélago mas as dificuldades de importação dos mesmos acabaram por instigar a criação de um novo modelo. Ao contrário do americano, mais pequeno e arredondado, o bote açoriano é mais comprido (com cerca de 11 metros de comprimento) e esguio (cerca de 2 metros de largura), permitindo uma maior agilidade e rapidez de navegação. Tratavam-se de requisitos necessários para o tipo de baleação do arquipélago. Enquanto que os norte-americanos realizavam uma caça à baleia itinerante e de longo curso, recorrendo a navios-fábrica, os açorianos praticavam um modelo de baleação costeira e artesanal. As embarcações - movidas a remo e à vela e feitas de madeiras leves - tinham de ser assim para entrarem e saírem das rampas dos portos, igualmente pequenas porque escavadas no recorte vulcânico das ilhas, e sobretudo tinham de ser hidrodinâmicas de forma a chegar de forma rápida aos locais onde os cachalotes eram avistados. O primeiro bote baleeiro açoriano, construído pelo Mestre Francisco José, o “Experiente”, surgiu ainda no final do século XIX nas Lajes do Pico.


Nos Açores a actividade ficou congelada com pequenas inovações introduzidas como as lanchas a motor, que não só tornavam a actividade mais segura como permitiam alargar as áreas de caça, ao rebocar os botes até ao local onde tinham sido avistados os cachalotes e posteriormente a rebocar o próprio animal para terra.

A tripulação

Em geral, a tripulação do bote era composta por sete pessoas, todos com cédula marítima, destacando-se à popa o mestre e à proa o trancador.

Mestre ou Oficial

Figura mais elevada na hierarquia do bote, responsável pela direcção da embarcação.

Remadores

Entre cinco ou seis, caso se inclua o trancador.

Trancador ou Arpoador

Responsável por lançar o arpão sobre o cachalote e, depois de trancado, atingi-lo com a lança.

A técnica de caça

O bote aproximava-se silenciosamente do cachalote até o trancador conseguir lançar o arpão de ferro para atingi-lo. A partir daí o bote ficava ligado, através de um cabo, ao animal, que reagia ao ataque mergulhando e avançando pelo mar. A perseguição continuava até à morte do cachalote e posterior rebocagem do animal para terra. O processo podia durar várias horas ou mesmo um dia inteiro.

(Physeter macrocephalus)

Impõe-se pela sua dimensão: é o maior dos cetáceos com dentes e também o maior animal com dentes actualmente existente. Tem ainda o maior e o mais pesado cérebro do mundo animal.

HABITAT

Zonas marinhas de grande profundidade onde se podem alimentar sobretudo de lulas e outros cefalópodes. Os cachalotes são capazes de mergulhar até 2000 metros de profundidade e permanecer submersos durante mais de 2 horas.

DISTRIBUIÇÃO

Está presente em todos os oceanos com a excepção das zonas próximas das calotas polares. Em Portugal, é praticamente residente nas zonas marítimas dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. No entanto, é possível verificar amplos movimentos migratórios que acompanham as estações do ano: no Inverno os cachalotes, sobretudo os machos, podem circular por zonas de águas temperadas, rumando para os extremos no Verão.

ESPÉCIE VULNERÁVEL

Actualmente, é considerada uma espécie vulnerável, estatuto que a União Internacional para a Conservação da Natureza atribui a animais cuja população tenha diminuido nas últimas três gerações ou cuja reprodução e sobrevivência possam estar em risco se os factores de ameaça não forem revertidos. Para este factor contribuiu a caça à baleia, realizada de forma mais ou menos industrial dependendo da geografia. Segundo dados divulgados pelo biólogo marinho Hal Whitehead, a redução da população média de cachalotes no mundo foi de 68% entre 1712 e 1999. Na zona dos Açores e da Madeira, entre 1949 e 1967, coincidente com o período do apogeu da baleação, a população terá sofrido uma redução de 55%. Desde 1986 a caça à baleia comercial encontra-se interdita. No entanto ainda se realiza em alguns países, nomeadamente no Japão, ao abrigo de um protocolo de caça científica.

AMEAÇAS

Eventuais colisões com embarcações e acidentes com instrumentos de pesca são os principais factores de risco para a espécie.

35% do tamanho do corpo

Um dos seus traços morfológicos mais característicos é a dimensão da cabeça, que tem um formato ligeiramente quadrado.

20 a 50 toneladas

60 - 70 anos

Esperança média de vida à nascença.

17 a 29 pares de dentes

na mandíbula inferior, que encaixam em depressões redondas no maxilar superior. Cada dente pode pesar 1 quilograma e medir 27 centímetros.

ESPERMACETE

O cachalote apresenta como característica distintiva o facto de possuir na cabeça uma substância cerosa de cor leitosa: o espermacete. Esta substância, e o óleo que dela se pode extrair, foi o principal responsável pela permanência da caça à baleia, incluindo o cachalote, no mundo durante tantos anos. Este produto, procurado no mercado internacional, tinha vários usos, quer na lubrificação de maquinaria industrial, na produção de cosméticos e compostos farmacêuticos, como ainda na iluminação pública. Um cachalote adulto poderia ter 2 toneladas de espermacete. Tanto nos Açores como na Madeira, numa fase inicial o óleo era extraído e processado pelos próprios baleeiros que o derretiam em caldeiras a “fogo directo”, normalmente localizadas nos portos. O processo foi sendo industrializado e em meados do século XX foram aparecendo fábricas que faziam esse processo com autoclaves a vapor.

OUTROS FINS

Para além do óleo, eram ainda aproveitadas as barbatanas do cachalote, os ossos e a carne (posteriormente triturados e reduzidos a farinha) e ainda o âmbar cinza, que se forma no intestino deste animal e que tinha grande valor comercial dada a sua potencialidade como fixante de fragrâncias de perfumes. Nos últimos anos da baleação os dentes de cachalote representaram uma importante fonte de rendimento.

A partir da segunda metade da década de 1940 e nas duas décadas seguintes, a indústria baleeira, tanto nos Açores como na Madeira, teve o seu momento de apogeu. Para isso contribuiu a II Guerra Mundial - já que as frotas baleeiras de muitos países ficaram paradas ou foram convertidas para auxiliar o esforço militar – mas também a modernização das técnicas industriais, cujas inovações garantiram maior aproveitamento dos animais capturados e, portanto, maior produtividade.

Recomeçar

Vídeo e texto:
Frederico Batista

Webdesign:
Miguel Feraso Cabral

Infografia:
Cátia Mendonça
Francisco Lopes

Ilustração (cachalote):
Marcos Oliveira

Fontes:
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
Instituto Nacional de Estatística
Direcção Regional de Cultura – Governo dos Açores

Música:
Sparse, Blue Dot Sessions



O PÚBLICO viajou a convite da Direcção Regional de Cultura do Governo dos Açores.