Nasce um guia de campo para identificar morcegos na Amazónia
Está na Internet e é de acesso livre. O primeiro guia de morcegos da Amazónia é interactivo e está à espera do contributo dos investigadores que estudam os morcegos daquela região para crescer e, pouco a pouco, revelar o mundo escondido destes mamíferos voadores.
Há espécies de morcegos que quase nunca se observam, explica-nos Adrià López Baucells, biólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). O Lasiurus castaneus é um desses casos. Dois exemplares desta espécie foram capturados em 1985, no Panamá, e em 2009, na Costa Rica. Mais recentemente, um terceiro indivíduo foi apanhado durante o trabalho de campo do cientista espanhol, que esteve na Amazónia entre 2011 e 2014 com Ricardo Rocha, colega de doutoramento e de instituição.
Os dois investigadores estudaram morcegos numa estação experimental na floresta da Amazónia, a cerca de 100 quilómetros de Manaus, a capital do estado do Amazonas, no Brasil. O objectivo era comparar os padrões de extinção dos morcegos numa área em que o habitat foi fragmentado pela desflorestação com outra área de floresta virgem. Para isso, é preciso identificar morcegos: apanhá-los ou então “ouvi-los”.
Um efeito colateral deste esforço foi o nascimento do primeiro Guia de Campo dos Morcegos da Amazónia, assinado pelos dois investigadores e também por Jorge Palmeirim e Cristoph Meyer, da FCUL, Paulo Brobowiec, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazónia, e Eurico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco, no Brasil.
O guia nasceu por causa da falta de informação sobre estes mamíferos voadores. Muitas espécies insectívoras emitem ultra-sons, o que lhes permite caçar os insectos e desviar das redes que os biólogos colocam para os capturar. Nestes casos, é mais fácil gravar os ultra-sons e com a ajuda de programas de computador identificar a espécie que se está a ouvir, analisando o sonograma. Há outras espécies que vivem no cimo da copa das árvores. Por isso, também é mais fácil registar as emissões sonoras do que apanhar os indivíduos. Este parece ser o caso do Lasiurus castaneus, que é muito pouco conhecido.
Na Lista Vermelha das Espécies, que avalia o grau do risco de extinção de animais, plantas e outros seres, a ficha do Lasiurus castaneus é curta. Conhece-se tão pouco esta espécie, desde a sua ecologia, passando pelo número de indivíduos, até a possíveis ameaças, que o seu grau de extinção não foi avaliado. É esta a realidade de muitos morcegos da Amazónia. “Há muitas espécies por descobrir”, diz-nos Adrià López Baucells, ao telefone, numa altura em que está na fase de escrita da tese de doutoramento.
“Chegámos lá em 2011, fizemos trabalho prévio de pesquisa e descobrimos que não havia nenhum livro de chave de morcegos para a Amazónia ou para o Brasil. Fomos ao campo e tivemos uma certa dificuldade em identificar os morcegos. Por isso, tentámos fazer [um guia de campo com uma chave biológica].”
Uma chave biológica é uma ferramenta fundamental para os biólogos identificarem a que espécies pertencem os indivíduos que capturam, sejam animais, vegetais, fungos ou outros. A partir das características de um morcego — os dentes, a forma das patas, o focinho, etc — a chave vai, passo a passo, levando o biólogo da ordem Chiroptera (a ordem dos morcegos) para uma das suas várias famílias, dessa família para um género e do género para espécie do indivíduo que se tem na mão.
No caso de muitas espécies insectívoras, a identificação também pode ser feita a partir dos sonogramas.
O novo livro tem 168 espécies de várias famílias. “Tentámos imaginar uma chave para quem nunca tinha mexido com morcegos”, explica Adrià López Baucells. “Queríamos uma coisa fácil de usar.”
Houve várias dificuldades. Os cientistas não conseguiram apanhar as espécies todas e tiveram de pedir material gráfico, como fotografias, a outros cientistas. A equipa teve de rever todo o material científico que estava publicado e tiveram ainda de testar várias vezes a chave para verificar se era funcional. O objectivo era construir algo que fosse dinâmico.
“Queríamos uma chave que, quando aparecesse uma espécie nova, fosse actualizada continuamente”, diz o cientista. Desta forma, o guia não ficaria desactualizado tão rapidamente.
Essa é uma das razões para o guia estar na Internet, ser de acesso livre e, assim, poder ser descarregado por qualquer pessoa em qualquer lugar: quem quiser pode enviar informação nova aos cientistas para completar o guia.
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