Ecosfera

Borboletas

Imagens do Borboletário do Museu Nacional de História Natural e da Ciência

PÚBLICO -

Crónica

Sobre a brevidade da vida

Sentado, olhando quem passa no presente rápido, reflito sobre a brevidade da vida e no tempo que passa enquanto escrevo estas linhas. Crianças entre os 5 e os 11 anos. Um jovem de 18 anos. O milagre da vida interrompido por um regresso prematuro à crisálida para um sono silencioso e profundo.

Existe um borboletário a um par de quilómetros de minha casa. Caminho até lá. Logo na entrada, retenho-me a observar um placar intitulado Os lepidópteros em números, que compila diversas informações de interesse. Retive algumas: os lepidópteros, que incluem borboletas e mariposas, compõem a segunda maior diversidade de insetos do planeta; a mais pequena borboleta do mundo tem dois centímetros, enquanto a maior chega aos 28; a esperança de vida varia entre os 7 dias e os 12 meses.

Não é esta a melhor altura para visitar o borboletário situado no Parque Urbano da Quinta de Rana, explicam-me pouco antes de entrar no jardim fechado com espécies da flora local onde podemos observar as borboletas a voar livremente. As borboletas gostam de calor e ainda não está suficientemente quente. Há cerca de 60 borboletas à solta no espaço. Em agosto, serão à volta de 600. Regressarei nessa altura.

Persigo alguns exemplares para conseguir uma fotografia. Não é fácil, como bem sabem, apanhar uma borboleta. E conseguir uma fotografia focada também não. Tento, falho, tento outra vez, falho outra vez. 14 tentativas falhadas, uma conseguida. Ao décimo quinto disparo, congelo uma Gonepteryx rhamni — nome científico de borboleta-limão — em pleno voo. A sorte foi tanta que acerto logo numa das borboletas que em estado adulto maior longevidade alcança na Europa, podendo atingir um ano de idade.

Inicio o regresso a casa fascinado com a descoberta de um mundo até então quase desconhecido para mim. Enquanto caminho, relembro o ciclo de vida da borboleta-limão. Um ano. Tão pouco para nós, humanos; tanto, se pensarmos na esperança de vida das borboletas. Ato contínuo, o pensamento desvia-se para a nossa existência e dou por mim a pensar em como por vezes a vida parece ser tão longa e noutras ocasiões aparenta ser tão breve. As circunstâncias condicionam o entendimento que fazemos do tempo, naturalmente. Não demoro muito a concluir que as coisas são o que são e não podem ser de outra forma e que as sensações temporais — neste caso, vida longa ou vida curta — são apenas mais um enganador conceito gerado pelas nossas cabeças.

O filósofo romano Séneca explicou-o no ano 49, em Sobre a Brevidade da Vida:

Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou. É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos.

Factos: a esperança média de vida à nascença no mundo encontra-se nos 66,57 anos. Seis décadas, seis anos e uns trocos. Tão pouco. Em Portugal, a esperança média de vida é de 81,06. E no Japão, que lidera a lista dos que vivem mais tempo, é de 88 anos. Mais sete do que em Portugal. Invejo-lhes cada segundo a mais de vida. Mas, ao mesmo tempo, creio que, ainda que fossem 150, 500 ou mil anos, sempre me pareceriam sempre muito poucos, um instante apenas em relação à eternidade, esse mistério de que não se conhece a extensão. Temporal ou outra qualquer.

Chego a casa. A televisão está ligada. Coisa rara. Oiço à distância: “tiroteio numa escola primária no Sul do Texas, nos Estados Unidos”. “Bolas, outra vez”, pensei em silêncio, enquanto me aproximava da televisão. No rodapé, o balanço trágico: “Morreram 19 crianças, com idades entre os 5 e os 11 anos, e dois adultos”. Novo rodapé: “o atirador, de 18 anos, foi morto pela polícia”.

Apago a televisão e sento-me junto à janela, olhando quem passa no presente rápido, enquanto revivo momentos passados, uns bons, outros maus. A infância, a adolescência, o início da vida adulta, a paternidade. “19 crianças com idades entre os 5 e os 11 anos. O atirador tinha 18 anos acabados de fazer”. Sentado, olhando quem passa no presente rápido, reflito sobre a brevidade da vida e no tempo que passa enquanto escrevo estas linhas. Crianças entre os 5 e os 11 anos. Um jovem de 18 anos. O milagre da vida interrompido por um regresso prematuro à crisálida para um sono silencioso e profundo.