O ano correu muito bem a...
Marta e Maurício Sobral, seis anos à espera de um filho que teve origem no “folículo ideal”
“É tudo desumano” e Mauricio só lembra a chamada “sala do espermograma”. “Ali toda a gente sabe ao que vai, é constrangedor, com a toda a gente à espera de ir fazer o mesmo”. Esse compartimento impessoal sempre lhe fez lembrar “uma fábrica”, com “a janelinha cinzenta de cor metalizada, como se fosse um cofre nocturno, a placa giratória onde se coloca o copo e a janelinha que fecha”. Por ter sentido tanto desconforto decidiu que, no dia da primeira inseminação artificial, a 7 de Novembro do ano passado, levaria o esperma de casa.
Tinham uma hora para o fazer chegar ao hospital, eles vivem em Setúbal, o hospital é em Almada, a uns 40 quilómetros de distância, tinham marcação à hora de ponta. Apesar de todo o stress, Maurício preferiu assim.
Nunca mais se esquecem dessa manhã. Como é habitual, havia trânsito na zona do Fogueteiro, como é habitual, havia um acidente à entrada na ponte 25 de Abril. Perante o pandemónio Maurício accionou os quatro piscas para assinalar a marcha de emergência do casal, o Kia cinzento chegou a circular a 160 quilómetros por hora. Se a polícia os parasse ia ser constrangedor, mas Maurício tinha tudo pensado, ou pagava a multa o mais rapidamente que pudesse, ou ia preparado para mostrar ao agente “o copinho” e o papel com o horário da marcação. Ia explicar-lhes que iam a caminho de tentar fazer um filho.
Não foi preciso contar a história a nenhum agente da autoridade. Chegaram a tempo, demoraram 40 minutos a chegar, 20 minutos antes da hora. Agora sabem que aquele foi o dia “da concepção” e lembram: “o nosso filho foi feito a cinco pessoas, éramos nós, o médico, uma enfermeira, quando está tudo preparado batem a uma portinha e é um embriologista com uma seringa”.
Depois da inseminação, que dura minutos, disseram a Marta: “Pode-se levantar, da nossa parte é tudo. Agora é esperar que a natureza faça o seu trabalho”. Assim foi. Catorze dias depois da inseminação veio a confirmação.
Sentiram que este é um processo tão colectivo que não houve quem não se tenha alegrado naquele centro de procriação medicamente assistida, quando se viu pela primeira vez o bebé, na primeira ecografia, a 5 de Dezembro de 2014. “Toda a gente fica feliz, das recepcionistas às enfermeiras”. Nesse dia soube-se que “existia bebé” e ouviu-se-lhe o coração, “éramos nós os dois e mais umas oito pessoas. É uma vitória para todos”. Está a falar do pessoal da clínica mas, enquanto dura esta conversa, o bebé que se ouviu nesse dia pela primeira vez, alterna entre os colos da mãe, do pai, da tia e da avó. “É o primeiro de toda a gente. É o primeiro neto, o primeiro sobrinho, é o primeiro...”. Demorou tempo e toda a gente sabia porquê. “Nunca escondemos”. “Então, quando é que vem o rebento?”. “Não conseguimos”, diziam a quem perguntava.
Depois de Marta estar grávida, mesmo grávida, o casal teve alta do centro de procriação medicamente assistida e, nesse momento, passaram a ser como um qualquer outro casal normal. Deixaram de ter de usar o discurso da técnica e da ciência, essas são palavras do passado.
Agora que Santiago nasceu, a 23 de Julho de 2015, vê-se que mudaram de vocabulário. O relato do percurso até ao nascimento do bebé é interrompido pelo choro de Santiago e por diálogos pai-filho que incorporam pela nova linguagem que agora têm em comum com pais de bebés. É feita de palavras que terminam em “inho” e “ito”. Exemplos? “O pai vai dar coisinhas boas”; “Tu estás cheio de soninho”; “Seu bebézito. Então filho? Tu estás no meio dos bonequitos”. É o tom abebezado, são os diminutivos e, claro, as conversas sobre cólicas, “vais buscar o Aero-Om [gotas para cólicas]”, pede a mãe ao pai. Daqui a três ou quatro anos talvez comecem a falar outra vez em conceber o segundo.
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