Pico: A “doença” de Manuel Serpa e o milagre do Pico

Para além da montanha que tomou o nome da ilha, é o vinho que mais fama dá ao Pico. É por isso que não se pode descartar uma visita ao Centro de Interpretação da Paisagem da Cultura da Vinha, declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 2004. Situado no Lajido de Santa Luzia, este centro é um excelente ponto de partida para quem quiser compreender a importância económica e cultural do vinho naquela que é a segunda maior ilha do arquipélago. Visitam-se os currais – muros de pedra negra que servem para proteger as videiras do rocio (ar) do mar e que, por acumularem o calor, têm um papel fundamental na graduação dos vinhos –, percorrem-se “os caminhos que a lava trilhou no passado”, descobrem-se as rilheiras (marcas de rodas) deixadas pelos carros de bois que transportavam o vinho e os rola-pipas que facilitavam o acesso dos barris ao mar.

A visita vale mesmo a pena, mais ainda se for complementada com uma conversa com Manuel Goulart Serpa, que nos recebe na sua casa de São Mateus. Entramos para a sala repleta de bibelôs, molduras com retratos, naperons pousados nas mesas e nos sofás. Não começamos exactamente por uma pergunta. “Ouvimos dizer que é das pessoas que mais sabe do Pico, que é um apaixonado pela ilha.” Manuel Serpa põe logo os pontos nos ii. “Sou doente pelo Pico, é mais isso.”

Manuel Goulart Serpa foi-nos apresentado como um dos principais responsáveis pela classificação da Paisagem da Cultura da Vinha do Pico, que obteve o selo da UNESCO em 2004 –  ao todo, são 987 hectares de área classificada. “O que está a acontecer neste momento no Pico é a recuperação de um passado que foi fabuloso”, contextualiza este ex-padre, ex-professor, ex-deputado regional que agora se identifica apenas “como picaroto”. As vinhas do Pico foram introduzidas ainda no século XV, não muito depois de chegarem à ilha os seus primeiros habitantes. “Os frades acompanharam o povoamento e trouxeram com eles os bacelos. Experimentaram-nos na pedra e conseguiram que medrassem. É este o milagre do Pico.”

À medida que se plantavam as vinhas, erguiam-se os muros de pedra negra que as delimitavam e que hoje dominam a paisagem de parte da ilha. “Esta é a maior urdidura de pedra que o homem alguma vez fez”, garante Manuel Serpa. Com o passar dos séculos, os vinhos entraram numa fase de prosperidade,  sendo grande parte da produção dedicada à exportação. Chegaram inclusive à mesa dos czares. Até que, em meados do século XIX, a filoxera e o oídio destruíram praticamente tudo. “Ficou apenas uma bolsa de resistência, na Criação Velha, de vinho morangueiro, ou de cheiro, que, apesar de não ter muita qualidade, foi alimentando esta economia”, explica Manuel Serpa, autor do livro Da pedra se fez vinho.

Até que, pelos anos 1960/70, “houve quem começasse a olhar para a paisagem e a avaliar a qualidade que o Verdelho ainda mantinha”. Entrou-se, então, numa fase de “preocupação de recuperar o que no passado tinha sido uma glória”. A replantação das castas Arinto, Verdelho e Terrantez é agora subsidiada e a recuperação dos antigos currais é um trabalho que parece interminável.

Manuel Serpa sugere-nos que o acompanhemos num curto passeio à ilha, para vermos no terreno do que estamos a falar. “Estão a ver estas manchas de vegetação? Aqui por baixo são currais. Já limpámos muito, mas estão a imaginar o que ainda falta, não?”. Estamos na Ginjeira, São Mateus. Olhamos em redor e o que vemos é de facto impressionante. Os currais, “antiquíssimos e centenários”, descem até ao mar, para cima a vista alcança um mar de verde onde se escondem outros. É como se esta ilha estivesse a ser escavada arqueologicamente para lhe descobrirem mais e mais tesouros. “O Pico é uma ilha de lutadores e esta luta nunca acaba”, resume Manuel Serpa. Palavra de picaroto convicto.

Centro de Interpretação da Paisagem da Cultura da Vinha
Lajido de Santa Luzia
9940-108 São Roque do Pico
Tel.: 292 207 375
Email: pnpico.culturadavinha@azores.gov.pt
www.parquesnaturais.azores.gov.pt
Horário: de 1 de Outubro a 31 de Maio, de terça a sexta, das 10h às 17h; sábados e domingos, das 13h30 às 17h. De 1 de Junho a 30 de Setembro: todos os dias, das 10h às 18h.
Preços: a partir de 2€.

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