Ainda não saímos do parque de estacionamento do aeroporto das Lajes e já Mário Rosa nos avisa: a Terceira é a ilha da festa e a farra é o princípio ou fim de quase tudo por aqui. As touradas às corda, por exemplo, ocupam ruas e praças de Maio a Outubro e são a actividade “que mais mexe a economia da ilha”. São “91 milhões de euros por ano”, entre contratos com as ganadarias locais, seguros, licenças camarárias, policiamento, bombeiros e tasquinhas, contabiliza o responsável da delegação regional de turismo e nosso guia na Terceira.
Nos meses de Verão, há touradas à corda quase todos os dias, por vezes três e quatro no mesmo dia em localidades diferentes. Em cada uma, o animal é lançado numa praça ou rua preso por uma corda, que vai sendo comandada por quatro “pastores”, enquanto os mais afoitos se atiram em lides e tropelias improvisadas. Por vezes, chegam a juntar-se “mais de 2000 pessoas” a assistir, conta.
Normalmente, as “corridas” decorrem ao final da tarde e são compostas por quatro touros, em lides de 15 minutos, intercaladas por intervalos. Mas a festa começa logo de manhã. “Costumamos dizer que é ir buscar os touros ao mato: as pessoas daquela freguesia vão todas para o tentadero [junto ao terreno onde os touros ficam todo o ano]; há muita bebida e comida, põem os touros na praça, brincam um bocadinho com eles, depois metem-nos na gaiola e ao fim do dia é que vão, então, para a tourada”, descreve.
Quando a tourada termina, a festa continua pelas barraquinhas, rulotes e cafés. Comem-se bifanas, torresmos, cracas. Bebe-se muita, muita cerveja. “É o quinto touro”, ri-se.
Também nas festividades do Divino Espírito Santo, a vertente religiosa anda de mão dada com muita festa, em grandes banquetes pelas localidades. O tradicional vinho de cheiro, as sopas do Espírito Santo, o pão, o cozido e a alcatra não podem faltar à mesa do bodo, tal como representa um mural pintado no império de São Sebastião.
Estes pequenos edifícios são o centro do principal culto religioso nos Açores, guardiões das coroas do Divino Espírito Santo, festividades que decorrem entre os domingos de Páscoa e da Trindade. Existem em todas as ilhas do arquipélago, mas não será injusto dizer que é na Terceira que mais se destacam, quer em número (o Governo Regional aponta para 68 espalhados por toda a ilha), quer na exuberância da decoração.
Cada pequena localidade tem o seu império, mantido por uma comissão local que vai mudando todos os anos. Nos dias de festa, as portas abrem-se para receber a população e há quase sempre uma mesa posta com licores, vinho de cheiro e massa doce. E é ali que se dá o ponto de partida para a grande refeição que o “imperador” contemplado naquele ano terá de oferecer aos convidados. Anexo a cada império há quase sempre uma despensa, onde são guardados o pão, o vinho e a carne a utilizar durante os festejos.
Acredita-se que inicialmente estes impérios seriam estruturas provisórias em madeira, mas com o passar do tempo as populações começaram a construir edifícios permanentes para albergar o pequeno altar com as coroas. O mais antigo remonta ao século XVII e fica em Angra do Heroísmo, mas a maioria é mais recente, com fachadas muito ornamentadas e geralmente de contorno garridos.
“A população aqui é sempre muito feliz e contente e quer sempre festa. Vemos isso até nas barras das casas, que são sempre de cores mais fortes”, realça Mário. Com excepção de Angra do Heroísmo, onde a classificação como Património Mundial pela UNESCO dita em grande parte as regras na arquitectura e no urbanismo, encontramos por toda a ilha vivendas de mil cores e feitios, das mais tradicionais às cópias das norte-americanas, das molduras garridas à volta de janelas e portas às casas integralmente pintadas de verde-alface, rosa, roxo, azul-céu.
Depois ainda existem as Sanjoaninas, o Carnaval, os festivais de música, os bailes nas colectividades. Uma ilha em festa todo o ano, no corpo das casas e no espírito dos homens.
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