O ano correu muito bem a...
Marta e Maurício Sobral, seis anos à espera de um filho que teve origem no “folículo ideal”
Histerossalpingografia. É uma palavra longa, tem 22 letras. Se estivessem a jogar com alguém ao jogo da forca era uma boa palavra para escolherem, porque é provável que poucos dos seus adversários a conseguissem adivinhar. O casal Marta Sobral e Maurício Sobral leva mais de seis anos de palavras como esta, que lhes entraram pelas vidas adentro sem eles quererem. Desde Agosto de 2008 que andavam em tratamentos para tentar ter um filho.
No fórum do Facebook onde Marta buscou informação e apoio, ao longo destes anos, falam todos esta linguagem comum, uma espécie de vocabulário da infertilidade. No seu grupo, que foi baptizado de “amigos especiais”, partilham este mesmo tópico de vida, feito de exames médicos, tratamentos e medicamentos. Ali serão poucos os que não sabem o que é uma histerossalpingografia, nome de um dos exames que Marta teve de fazer e que avalia a anatomia do útero e das trompas. Nesse fórum poucos não saberão o que é o SOP.
Marta habituou-se a chamar-lhe “SOP”. Por tanto fazer parte da sua rotina usa automaticamente a sigla, que explica o porquê de não terem conseguido ter filhos durante tanto tempo. No Síndrome dos Ovários Poliquísticos há quistos que impediam a formação de ovócitos maduros. Esta condição é uma das causas de infertilidade no feminino. Estima-se que a infertilidade conjugal afecte 15 a 20% na população em idade reprodutiva, sendo a taxa similar nos dois sexos, refere o site da Associação Portuguesa de Fertilidade (APF).
Foi assim que o que começou com um processo calmo de um casal ainda jovem – ela andava pelos 25, ele pelos 30 – a tentar engravidar pelas vias convencionais, um ano depois de se terem casado, em 2007, cedo entrou no técnico campo da medicina.
Desde então, é como se as suas vidas estivessem dividas em ciclos de tentativas associadas à toma de um ou mais fármacos, cujos nomes ficaram como uma espécie de títulos desses subcapítulos de vida deste casal em que ela é assistente administrativo num escritório de contabilidade de e ele trabalha na construção civil.
Houve a fase dos comprimidos Dufine, medicamento que induz a ovulação, sete meses, depois a fase Metformina, fármaco com o mesmo objectivo, mais uns sete meses. Houve a fase Duphaston, a fase das injecções Gonal dia sim, dia não na barriga. Entre tentativas tinha que se dar pausas ao organismo de Marta, que agora tem 31 anos, e depois voltar a tentar. Passaram-se nisto 3,5 anos, tudo no sector privado, porque não queriam esperar e porque achavam que no público não seriam tão bem tratados. Dizem que os anos do privado foram uma ilusão, porque foi num hospital público que, afinal, dizem ter sido mais bem acompanhados. Foi “no CIRMA” que a sua sorte mudou, contam.
Com a primeira consulta no Centro de Infertilidade e Reprodução Medicamente Assistida (CIRMA) do Hospital Garcia de Orta (Almada), em Fevereiro de 2014, começaram do zero. Marta fez a histerossalpingografia, mais injecções Gonal. O problema, concluiu-se, era encontrar a dose certa para produzir o que Marta chama “o folículo ideal”, tema acesamente debatido em fóruns com casais com problemas de fertilidade, como o “demãeparamãe” ou o “pinkblue”. Os folículos são sacos que contêm os ovócitos libertados aquando da ovulação. Em cada mês, desenvolve-se um ovócito dentro do ovário num folículo, explica o site da APF.
Nos vários anos de tratamento, os seus folículos não tinham passado dos sete ou oito milímetros, conta. Ali se conseguiu o tamanho certo e Marta sabe de cor a dose de medicamento que o produziu, “112,5 unidades”. Serão poucas as mulheres que sabem que o seu bebé teve origem no ovário esquerdo e que o folículo em causa media 16 milímetros.
É Marta, e não Maurício, quem tem de memória todos os números, datas e horas, nomes da medicação e respectivas doses que tomou ao longo destes anos, ela é que passou por isso, é natural. Mas não se pense que é fácil para Maurício só porque não é ele quem sofre de SOP. É preciso querer muito um filho para resistir a ter a ciência instalada na intimidade. Sexo foi durante muitos períodos desta meia dúzia de anos “um meio para atingir um fim: ‘agora tentem dia sim, dia não’. Chega a um ponto que é mecanizado”, desabafa Maurício.
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