O espectador não sabe o que o espera quando vê o jovem Luke Skywalker a olhar para o horizonte ao anoitecer, no planeta Tatooine. Estamos ainda no início do primeiro filme da saga da Guerra das Estrelas (1977) quando o realizador George Lucas nos presenteia com uma das cenas mais belas do cinema de massas: Luke Skywalker anseia por um futuro de aventuras, longe do seu planeta, enquanto observa o pôr de dois sóis.
Tatooine é um planeta rochoso e desértico, que gira em torno de duas estrelas. Em 1977, os sistemas binários já eram conhecidos há séculos. Mas ainda não tinha sido descoberto nenhum planeta fora do nosso sistema solar. George Lucas une estes dois conceitos – um sistema binário e um sistema planetário – projectando uma realidade possível, mas novíssima: dois pores de sóis. E ajuda a definir o tom do filme: está reservado a Luke Skywalker a mais fantástica das aventuras.
Haverá, por isso, sabres de luz, naves a viajar entre estrelas, uma arma destruidora de planetas, seres mirabolantes, “a Força”, os Jedi, Darth Vader. Nem tudo poderá ser explicado pela ciência e tecnologia de hoje. Mas Tatooine foi um tiro em cheio. “Os planetas rochosos são extremamente abundantes”, explica Pedro Figueira, astrofísico e especialista em exoplanetas do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. Seria possível formar-se um planeta rochoso à volta de um sistema binário? “Acho que sim. Os mecanismos de formação de planetas são eficazes.”
Em 2011, a ciência deu um passo em direcção a Tatooine com a descoberta do sistema Kepler-16, a 200 anos-luz de distância da Terra, com uma estrela maior e outra mais pequena, e um planeta com o tamanho de Saturno. Foi o primeiro planeta descoberto à girar em torno de duas estrelas.
Ainda não se encontrou um Tatooine verdadeiro: um planeta rochoso, com duas estrelas de tamanho semelhante. Mas há esperança. “Na Via Láctea, 50% são binários. Estão muito perto uma das outras e não se vêem a olho nu, só com telescópios”, explica Pedro Figueira. “Suspeito que George Lucas se informou com os cientistas. Haver duas estrelas de tamanho igual não só é possível como é extremamente provável.”
O desejo de Luke Skywalker, protagonizado por Mark Hamill, é concedido e ele partirá de Tatooine em direcção a uma saga familiar e a Darth Vader. A última vez que vimos Luke Skywalker antes de O Despertar da Força – o sétimo episódio da saga, que estreará depois de amanhã, pela mão do realizador J. J. Abrams – foi na lua de Endor, em O Regresso de Jedi (1983), o terceiro capítulo da saga. Coberta por uma floresta de árvores altíssimas, esta lua é o lar dos Ewoks – seres que se parecem com ursos de peluche de um metro de altura.
Os Ewoks vivem em cabanas no cimo das árvores e, apesar de serem caçadores-recolectores, não são nómadas. Existem paralelismos com culturas que ainda hoje persistem na Terra. “Há sociedades em que uma das actividades culturais é construir uma cabana na árvore mais alta da floresta”, explica André Nóvoa, antropólogo português da Universidade Northeastern, em Boston (EUA), dando o exemplo dos Korowai, uma tribo que vive na Nova Guiné. “A construção da casa é um exercício prático e é também um acto simbólico”, refere o investigador. Há uma ideia de domínio estando em cima da árvore e tendo um ponto da vista superior para a floresta.
Mas falta profundidade aos Ewoks, argumenta o antropólogo. “Eles são mais uma construção de uma certa imagem do que pode ser uma sociedade boazinha do que um olhar do ponto de vista antropológico”, diz André Nóvoa. Estão minados por aquilo que pode ser uma “visão branca e ocidental” da antropologia. Um exemplo disso é o endeusamento do C-3PO, o andróide que domina seis milhões de formas de comunicação.
Ao verem o C-3PO, os Ewoks assumem que ele é um deus, “reproduzindo um cliché ideológico da década de 1960-1970”, considera André Nóvoa. “Há poucos registos antropológicos de sociedades que efectivamente endeusam o outro – uma pessoa viva, que representa a alteridade. Esta ideia é uma aberração para os antropólogos pós-colonialistas.”
Mas na ficção o endeusamento do C-3PO foi providencial. Só assim é que Luke Skywalker e os seus amigos Han Solo (Harrison Ford) e a Princesa Leia (Carrie Fisher) conseguem obter ajuda dos Ewoks, o que é fundamental para destruir a Estrela da Morte e derrotar o Império liderado pelo Imperador Palpatine (Ian McDiarmid) com a mão-de-ferro de Darth Vader.
A Estrela da Morte é uma estrutura esférica com cerca de 120 quilómetros de diâmetro, que se parece com uma mini-lua (a nossa Lua tem 3474 quilómetros de diâmetro) e é capaz de disparar um laser que destrói planetas. Poder-se-ia questionar se há matéria-prima, tecnologia, dinheiro e trabalhadores suficientes para construir uma máquina daquelas? São dúvidas razoáveis. Pedro Figueira limita-se apenas à física.
Por ter uma massa grande para uma arma, “seria muito difícil fazê-lo mover-se” para fora da órbita de um planeta ou uma lua, defende Pedro Figueira. Teria assim de estar em órbita de um astro. Mas caso a arma destruísse o planeta, seria como cortar um cordel usado para fazer girar um objecto. “A Estrela da Morte sairia disparada”, diz. Algo que não aconteceu quando a arma destruiu o planeta-lar da Princesa Leia.
Esta arma marca um dos eixos narrativos da primeira trilogia da Guerra das Estrelas. A segunda trilogia – lançada entre 1999 e 2005, mas que na história inventada por Lucas acontece décadas antes da aventura de Luke Skywalker – conta como Anakin Skywalker (Hayden Christensen) se transforma no vilão Darth Vader. É a grande passagem de um Jedi para o “lado negro da Força” (a energia que envolve todos os seres vivos e a própria galáxia, e que dá poder aos Jedi).
No filme, Anakin Skywalker abraça o lado negro da Força para impedir a morte da sua mulher. “Em termos éticos, existe o conceito do bem maior e de uma vantagem menor”, explica o psicólogo Jorge Gravanita, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica. Esta vantagem mais restrita e pessoal, em relação a um bem maior, pode ajudar a ler o que acontece com esta personagem da Guerra das Estrelas.
“A questão de Darth Vader prende-se com uma paixão e de ele querer preservar o seu amor. Por isso, opta por ir para o lado negro da Força por não aceitar a perda, a morte”, explica. “Do ponto de vista mais profundo, o amor é a luta contra a morte. O objecto amado é aquilo que pode merecer a nossa alma, a mente, o coração”, acrescenta Jorge Gravanita. “Vivemos isso nos nossos investimentos, sejam eles amorosos ou de conhecimento. Aceitar a perda é aceitar que não se pode dominar o poder absoluto.”
A história de Anakin Skywalker começa muito antes, quando ele ainda era um rapaz e vivia com a sua mãe em Tatooine. Nessa altura, a sua vida cruzou-se com outros dois Jedi, Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) no filme A Ameaça Fantasma (1999). Ao mesmo tempo, os espectadores cruzaram-se com o conceito de midi-chlorians: uns organismos que vivem nas células de todos os seres vivos, como simbiontes, e a partir de certo número permitem aceder à Força, sentindo a energia na galáxia. Se os Jedi normais têm muitos midi-chlorians nas suas células, Anakin Skywalker batia esse recorde.
Muitos fãs da Guerra das estrelas reagiram mal a este conceito que retirava muita metafísica à ideia da Força. Não é o caso João Ramalho Santos, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. “Acho uma ideia genial. Vai buscar a noção de endossimbiose e de produção de energia”, defende, explicando que George Lucas se inspirou nas mitocôndrias.
As mitocôndrias são estruturas celulares muito eficientes a produzir energia nas nossas células. Durante a evolução da vida na Terra, pensa-se que elas eram organismos unicelulares independentes, que depois foram embolsados por outras células, tornando-se as nossas “pilhas Duracell”. “Projectar isto num sentido cósmico da Força é genial. Só uma pessoa que percebe de ciência mas que não é cientista é que consegue fazer isto. Um cientista pensaria que seria uma estupidez.”
A Força permite aos Jedi lutarem com os sabres de luz, que têm a icónica luz fluorescente capaz de cortar tudo. Mas para já, a tecnologia ainda não reproduz esta arma. “A luz viaja sem se deter até encontrar um obstáculo, e no caso dos sabres de luz ela parece magicamente ficar suspensa”, explica Gonçalo Figueira, investigador de lasers do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. “Outra limitação é que um raio de luz não ‘choca’ contra outro raio de luz. Os fotões não interagem uns com os outros. Já foi possível criar estados quânticos em que os fotões se comportam como se fossem partículas com massa e conseguem interagir. Mas, por enquanto, estamos muito longe de dar o salto para um sabre de luz.”
Carlos Fiolhais olha para este aspecto de outra forma, argumentando que já “há lasers a serem usados em cirurgias”, que são autênticas “espadas de luz”, diz este físico da Universidade de Coimbra. O que não se alterou nas últimas décadas foi a possibilidade de imaginarmos viagens intergalácticas, feitas à velocidade da luz (cerca de 300.000 quilómetros por segundo). Uma tecnologia onde assenta toda a sociedade galáctica da Guerra das Estrelas.
“De acordo com o que sabemos, há um limite que é a velocidade da luz”, diz Carlos Fiolhais, explicando que este limite teórico encontrado por Albert Einstein ainda não foi posto em causa. “Qualquer coisa composta por matéria tem de andar abaixo da velocidade da luz”, diz, nem que seja 0,01% abaixo. Por isso, mesmo havendo tecnologia que permitisse atingir velocidades próximas da luz (a NASA planeia lançar uma nave chamada Solar Probe Plus em 2018, que viajará a 200 quilómetros por segundo), a viagem até à estrela mais próxima do Sol, a Proxima Centauri que fica a mais de quatro anos-luz de distância, demoraria mais de quatro anos. Mas isso não implica deixar de sonhar, remata Carlos Fiolhais: “A ciência serve a ficção científica. Mas enquanto a ciência vai até um certo sítio e tem limites, a ficção científica significa derrubar esses limites.”
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