Corvo: José e Inês, um casamento entre barretas e fechaduras

Entramos pelo Artesanato do Corvo adentro, uma loja que é praticamente mais uma sala de visitas do casal Inês, anexa à casa onde vivem ali mesmo, numa subida da vila da ilha. A dona Inês (sim, Inês Inês de seu nome) e o senhor José (Mendonça de Inês) já passaram os 80 há uns tempinhos e os tempos fazem-lhes fraquejar as pernas a ambos. Mas continuam fortes como sempre, nas mãos e nas vontades, as suas artes: este casal, com casamento de quase meio século, assina dois ex-líbris do Corvo. Ela as boinas (ou barretas, como diz), ele umas fechaduras de madeira tão simples quanto complexas.

E ali estão as suas barretas, umas coloridas (“com outros padrões, para o gosto do turista”) e as clássicas, como a azul escura que Tocha usou em todas as entrevistas (e que o sr. Inácio, um morador da ilha que encontrámos mais tarde usa aqui na foto ao lado). “E gostou de se ver no filme, dona Inês?”. “Nã!”, diz, franzindo o sorriso. Rimo-nos todos enquanto ela remata “Já não sou pessoa de apresentação nem para os filmes.” Mas fica contente quando a reconhecem, “olha a senhora que faz as boinas!”, disse-lhe um dia destes um comissário de bordo da Sata. “Vê lá como eu estou conhecida pelo mundo inteiro!”.

Ao lado, o sr. José vai ouvindo a conversa enquanto agarra numa das suas fechaduras, tornadas também ícone do Corvo. Uma ironia sempre admirável, já que não se poderia arranjar melhor ícone para uma ilha onde se podem deixar (e deixam) sem problemas as portas abertas. Aos 85 anos, está neste exacto momento aborrecido porque a fechadura que agarrou da estante não funciona lá muito bem. Feitas de madeira, têm um sistema com uma pequena tranca e uma chave também de madeira à medida do cerre. Vêem-se pelas casas agrícolas e ainda por muitas casas pela ilha. “As primeiras que fiz foram para uma casa das Flores, aí em 1952.”

Depois continuou anos fora até que chegaram também ao destaque no mundo do artesanato dos Açores e ao Turismo. Sempre “as vendeu bem vendidas”, diz. “Uma vez veio cá uma senhora engenheira e dizia a fechadura não é boa, não funciona. Tinha a chave ao contrário!, e era ela engenheira.” Isto parece simples mas é complexo, certo, senhor José? “Isto ainda tem uma, duas, deixa cá ver, três, quatro, duas dentro, cinco seis, sete oito nove dez, onze! onze peças!”. E feitas com navalha para trabalharem bem.”  Cada uma demora um dia, foi “sempre” o tempo que lhe levou o trabalho. Continua a trabalhar todos os dias na sua oficina ao lado de casa.

À noite voltaremos para ver dona Inês e as suas agulhas, de olho na novela da TVI – o canal filmou umas cenas da novela “Única Mulher” na ilha e anda toda a gente à espera do resultado. Encontrámo-la à volta do trabalho, pronta para mais umas fotografias do Enric. 

No dia seguinte, voltaremos também a visitar o senhor José na sua oficina. Encontramo-lo sentado à bancada, distraído com a TV, mas recebe-nos como um profissional. Ao seu lado uma gaiola com um estranho e grande pássaro. “É um pinto!”, ri-se a bom rir. “Os pintos andavam a morrer todos duma doença e este sobreviveu, lembrei-me de o pôr aqui para guardá-lo.” O pinto parece que já se habituou a ser o pássaro da oficina do sr. José, que liga logo a sua máquina para furar mais uma peça de madeira enquanto o Enric começa a fotografá-lo. Tal como a mulher, o nosso artesão já está habituado à fama. Por um lado, sente-se que estranham toda esta atenção tão tarde na vida. Por outro, parecem senti-la como carinho, agora que, como os próprios nos dizem, já têm pouco tempo.

Mas as suas barretas e as suas fechaduras podem permanecer: há quem na vila saiba fazer as últimas (o Celestino, dizem-nos); e a filha do casal, Rosa, assegura as barretas (além de bordados e não só), tendo também já ensinado nove potenciais artesãs – para mais, Rosa garante também o Facebook do Artesanato do Corvo e um blogue onde mostra todas estas e outras artes.

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Enric Vives-Rubio
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