Há muito tempo na longínqua terceira fila do Monumental

Nunca percebi muito bem porque é que o meu pai preferia os lugares de coxia. Não sei se era para sair assim que o filme acabasse ou porque não gostava de ficar “entalado” no meio das filas. Mas lembro-me que ele pedia sempre lugares de coxia. Havia salas de Lisboa, como o Star, onde pedia as laterais – de cada lado da fila central havia pequenos grupos de três cadeiras, perfeitos para ele, para a minha mãe e para mim. Assim ficávamos sossegados e não precisávamos de nos levantar para deixar passar ninguém.

No entanto, isso não aconteceu na Guerra das Estrelas. Lembro-me disso porque foi a única vez que me recordo de termos mudado de lugar no intervalo da sessão. Estávamos perto do Natal de 1977 e já há um par de anos que os meus pais se tinham habituado a levar-me com eles aos filmes “para crescidos” à quinta-feira ou a sexta-feira, que eram as noites de estreia por excelência. (Lembro-me do São Jorge, ainda sala única e enorme, esgotado nas grandes estreias das noites de quinta-feira.)

A Guerra das Estrelas não era exactamente filme só “para crescido” (e claro que também víamos os filmes todos da Disney, e às vezes até íamos às “manhãs infantis” do Apolo 70 ou do Alvalade). Mas lembro-me de ler na revista Plateia sobre o sucesso americano durante o Verão, e de como era raro nessa altura que um filme estreasse cá tão em cima do lançamento lá fora. O Monumental sentava qualquer coisa como 1500 lugares, e nas primeiras duas vezes que tentámos ir a lotação estava esgotada para a plateia e para o primeiro balcão que era o luxo absoluto (aquela primeira fila, com o écrã de 70mm a abrir-se à nossa frente…). Só havia bilhetes para o “galinheiro” do segundo balcão, mais barato e mais desconfortável.

À terceira tentativa, conseguimos bilhete depois de uma eternidade na fila - mas era na terceira fila da plateia, e o filme tinha acabado de começar (já a princesa Leia estava a ser capturada). Era como estar encostado à entrada do Padrão dos Descobrimentos a olhar para cima (foi aí que percebi a verdadeira dimensão de um écrã de 70mm) e a dor de cabeça não era exactamente resultante da visão periférica não conseguir abarcar toda a imagem nem do som estereofónico (muito longe de ser THX). Vinha, antes, de ter de estar a olhar para cima e a ver os extra-terrestres esquisitos da cantina de Mos Eisley em cima de mim.

Ao intervalo, o meu pai foi ver se havia lugares vazios no segundo balcão. Havia. Subimos as escadarias (eram de mármore?) dos enormes foyers que davam para o Saldanha, e uma vez de novo na sala o écrã enorme de 70mm parecia finalmente ter uma dimensão normal. A minha primeira memória da Guerra das Estrelas foi assim algo desconjuntada; tenho mais presente a estreia do Império Contra-Ataca, no Natal de 1980, do qual até a minha mãe, que não era apreciadora de ficção-científica, gostou (para que conste: foi no primeiro balcão do Império numa sessão das 18h30 de segunda-feira).

Era uma altura em que as salas de cinema esgotavam regularmente e alguns filmes ficavam meses em cartaz (ou até anos, como aconteceu com Uns… e os Outros de Claude Lelouch, um ano inteiro no Star e sempre esgotado). Da Guerra das Estrelas lembro-me vagamente que deve ter feito pelo menos um mês inteiro no Monumental, até depois do Ano Novo, a quatro sessões por dia. Não devem ter esgotado todas. Mas esgotaram as suficientes para, três anos depois, a Castello Lopes estrear O Império Contra-Ataca nas três maiores salas de cinema de Lisboa - o Condes, o Império e o Monumental, e em 70mm em todos. E mesmo assim esgotavam.

Mas isso foi há muito tempo numa galáxia muito longínqua.

 

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Programa da temporada de estreia de A Guerra das Estrelas em 1977 no Monumental Programa da temporada de estreia de A Guerra das Estrelas em 1977 no Monumental Programa da temporada de estreia de A Guerra das Estrelas em 1977 no Monumental Programa da temporada de estreia de A Guerra das Estrelas em 1977 no Monumental