Na utopia ecológica, o importante é que a história continue
Para um dos maiores nomes do ambientalismo em Portugal, a sociedade deve permitir que cada um, dentro de limites ecológicos e materiais, possa seguir o seu caminho.
Quando se pergunta a um histórico ecologista qual é a sua utopia para um mundo sustentável, o que se espera é uma receita de soluções práticas em áreas como a energia, alimentação, transportes ou ordenamento. Mas Viriato Soromenho Marques, professor de filosofia na Universidade de Lisboa e um dos principais nomes da arena ambiental no país, tem uma visão mais estrutural: para alcançar a sustentabilidade, é preciso reinventar a utopia clássica, pôr a tónica na ética e na política, e abandonar a crença de que tudo se vai resolver com a próxima invenção tecnológica.
O testemunho da poluição
"A minha educação ambiental começou em 1972, 1973, por via dos programas Há Só uma Terra. Foi a primeira vez que ouvi falar do relatório Os Limites do Crescimento. Eu estava no liceu, tinha uns 14 anos. O livro causou-me um grande impacto. Atingiu-me como uma pedra.
Nasci e vivi em Setúbal. Naquela altura, era uma cidade que mudava a olhos vistos com a indústria. Eu assisti à transformação da paisagem e à poluição. Antes da Setenave, fazia caminhadas no estuário do Sado e regressava à casa com os pés retalhados das ostras. Desapareceu tudo por causa do TBT [produto utilizado nas tintas dos navios].
Aos 18 anos, comecei a escrever sobre temas ambientais para o trissemanário Nova Vida. Em 1978, resolvi criar uma associação, em que um dos fundadores era o Zeca Afonso. E em 1980-1981, comecei a colaborar com o projecto Setúbal Verde. Em 1987, integrámo-nos na Quercus.
Vivi como toda a gente a viragem política à esquerda em 1974. E fiz um pouco o casamento das duas coisas, o que correspondia a um eco-socialismo: a crise do ambiente chama a atenção para o facto de estarmos a usar a natureza de uma forma predatória; o socialismo chama a atenção para o facto de estarmos a utilizar as pessoas, não respeitando a sua dignidade. No fundo, são duas formas de abuso.
Nessa altura, aquilo que mais me preocupava – e me preocupa – é esta degradação da qualidade de vida. Ver o mundo invadido pelo lixo, pela poluição, era algo que colocava em questão a própria sobrevivência da humanidade. Para mim, isso era claro já naquela altura".
Filosofia e o fim da história
"A minha formação conduziu-me pelo caminho da filosofia continental, a europeia, a alemã, que é uma filosofia do pensamento da totalidade, do sentido da história, do significado da marcha humana neste planeta. E há uma tendência muito grande para o conceito do fim da história. Ou seja, a história tem um projecto, tem uma finalidade, e a nossa função é compreender e ajudar a realizar este trajecto.
A ideia é que o absoluto é uma coisa positiva. Mas pensei: imagine que, afinal, o segredo da história não é o absoluto pela positiva, mas o absoluto negativo. Ou seja, que o sentido da história não é a realização de uma possibilidade, mas a absoluta destruição das possibilidades de realização. Podemos ter uma guerra nuclear ou podemos ter uma catástrofe ambiental. Fiquei logo assustado".
A crise ambiental planetária
"Hoje em dia toda a gente fala de crise para tudo e para nada. Mas o que é que há de diferente na crise ambiental? Primeiro aspecto: é uma crise planetária, é a única crise verdadeiramente planetária. A crise económica e financeira não atinge a Antárctida. Nos oceanos não se discute a queda da bolsa de Nova Iorque. Em contrapartida, temos os oceanos acidificados, a criosfera afectada, sítios onde nem existem pessoas.
Segunda característica: é uma crise que tem a natureza de acumulação temporal, diferida no tempo. A modificação da estrutura química da atmosfera começou há 260 anos, com a máquina a vapor. E agora, em 2015, começamos a sentir os primeiros efeitos. Podemos ter uma geração que só colhe os benefícios e outra que só colhe os prejuízos.
Terceira característica: a irreversibilidade. Tivemos uma grande depressão em 1929, o nazismo, a Segunda Guerra Mundial. Mas em 1945, o mundo estava a ser reconstruído. Na crise ambiental, quando uma espécie desaparece, ela nunca mais volta – a não ser nos filmes de Hollywood.
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