Na utopia ecológica, o importante é que a história continue

Para um dos maiores nomes do ambientalismo em Portugal, a sociedade deve permitir que cada um, dentro de limites ecológicos e materiais, possa seguir o seu caminho.

Viriato Soromenho Marques Daniel Rocha

Uma quarta característica é o impacte da crise ambiental na própria estrutura sociopolítica. É um elemento de insegurança político-institucional, vai ser um factor de criação de estados falhados.

Há um quinto ponto também: o desafio psicológico. Pelo seu gigantismo, a crise ambiental coloca-nos o dilema de aceitar a complexidade, e isto implica mudar o modo de vida, os hábitos de consumo, o que comemos, como nos deslocamos. Não é fácil, é como se estivéssemos a interrogar a respiração, se cada vez que inspiramos tivéssemos de pensar se estamos a fazer bem.

Isto pode levar a uma reacção contrária, de entropia. O Partido Republicano, nos Estados Unidos, por exemplo, é o partido da entropia, dos indivíduos que dizem “que se lixe”. Psicologicamente, estamos divididos entre uma consciência da complexidade, que nos conduz a uma conduta ética e política de grande responsabilidade, e a própria irresponsabilidade".

À espera da última app

"Considero que há duas utopias fundamentais. Há uma utopia clássica, que é essencialmente ética. E há uma utopia moderna, que é essencialmente tecno-científica. As utopias de Platão e de Thomas More dizem o seguinte: nós podemos criar uma sociedade melhor, temos é de ter a disposição moral para isso, temos de nos organizar ética e politicamente para isso.

A utopia tecno-científica é a que está à espera da última app na Internet. Ou seja, podemos ter uma sociedade melhor, mas isto não tem nada a ver com a nossa mudança de comportamentos, atitudes ou valores. Tem a ver com o facto de haver uma máquina que nos permita lá chegar. É como acreditar no Pai Natal. O Stephen Hawking, uma pessoa maravilhosa e muito inteligente, acredita que uma parte da humanidade poderá emigrar para outro planeta. É uma história de fadas.

Uma das características fundamentais da utopia tecno-científica é o falhanço entre expectativa e resultados. Augusto Comte dizia, em 1822: vamos começar uma nova idade, a idade industrial. Vamos substituir o domínio do homem sobre o homem pelo domínio do homem sobre a natureza. Vamos ter mais produção, mais riqueza. Teremos a paz porque toda a gente terá abundância. Mas a paz não aconteceu. Temos tecnologia e temos guerra e exploração.

É o mesmo discurso dos utopistas modernos. Na biotecnologia, argumenta-se que os organismos geneticamente modificados vão acabar com a fome no mundo. É conversa. E continuamos a dizer a mesma coisa que dizíamos sobre o nuclear, que é seguro, que está sob controlo.

É por isso que surge a crítica ecológica. Ela não é anti-tecnológica, mas é uma crítica a esta forma de como nós transformamos a tecnologia num fim em si próprio, e não num instrumento fundamental. Se não colocarmos a tecnologia dentro de limites políticos muito precisos, ela vai-se desenvolver até ao colapso".

Política de ciência e parlamentos

"A política de ciência é fundamental. Vamos ter uma mudança positiva a partir do momento em que o financiamento à investigação científica começar a ser um assunto de primeira relevância. No fundo, trata-se de voltar a colocar no plano das instituições políticas o comando das operações. E não como acontece agora, em que temos a tecnologia completamente à solta, e aquelas comissões de ética que andam atrás.

Precisamos de um controlo democrático. É escandaloso perceber que gastamos várias vezes mais na investigação de novos cosméticos do que nas energias renováveis. A investigação científico-tecnológica não é dominada por uma ideia de bem comum da humanidade, mas pela maximização do lucro das empresas.

Os parlamentos é que têm de tomar estas decisões, não são as academias. Temos não só de pôr a investigação debaixo da alçada dos representantes do povo, como também o mercado debaixo da alçada da lei pública.

Só há uma hipótese, que é encontrar uma estrutura política que permita corresponder à escala económica que temos hoje. Por isso é que eu sou um federalista. Temos de ter, além dos estados nacionais, ligações federadas entre eles. O caminho para a sustentabilidade não está em criar um estado mundial. Mas temos de ter uma ordem mundial de estados".

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