Na utopia ecológica, o importante é que a história continue

Para um dos maiores nomes do ambientalismo em Portugal, a sociedade deve permitir que cada um, dentro de limites ecológicos e materiais, possa seguir o seu caminho.

Viriato Soromenho Marques Daniel Rocha

Palmadas nas costas em Paris

"A minha utopia, o meu projecto, assenta num regresso do primado da razão prática, da ética e da política. A partir de Francis Bacon [1561-1626], cometemos o erro fundamental de considerar que podíamos mudar o futuro para melhor confiando nas nossas invenções tecnológicas. Mas não estamos a jogar em condições de ausência de constrangimentos. Temos cada vez menos tempo em matéria de recursos, de equilíbrio climático, em matéria demográfica. O jogo está a ficar cada vez mais contraído. É fundamental alargar a margem de tempo, e nisso é a política que pode ajudar, e não a tecnologia.

Por isso é que continuo a defender um modelo clássico de regime internacional para o ambiente, com metas vinculativas. Só  isso é capaz de criar uma mudança das regras do jogo que permita canalizar os investimentos necessários à inovação num tempo mais eficaz.

O recente Acordo de Paris [para o combate às alterações climáticas] corresponde à visão tecno-científica contemporânea. A ideia básica é essa: deixem o mercado trabalhar, o mercado há-de encontrar a melhor solução. O acordo coloca as regras do mercado a constranger a sociedade, enquanto devemos pôr as regras da sociedade política a constranger o mercado.

O sistema de compromissos anunciados pelos países não é suficiente. São palmadas nas costas, é uma conversa retórica, de que todos somos irmãos. É melhor do que não haver acordo. Mas falta a noção de que precisamos ir mais depressa. E só é possível ir mais depressa se encontrarmos mecanismos artificiais que modelem o mercado.

Um exemplo simples: o preço do petróleo. Se quisermos resolver o problema até nem precisamos ter metas, basta ter um preço fixo para o barril de crude, por exemplo, que não desça abaixo de 100 dólares".

A utopia pluralista

"A minha utopia é uma utopia pluralista. A melhor sociedade é uma sociedade onde não exista o fim da história. E isto parece-me algo novo na ecologia. As utopias tradicionais – clássica e moderna – tinham uma coisa em comum: propunham uma determinada vistão do fim da história, uma sociedade que seria a ideal. A utopia ecológica diz que o importante é que a história continue, é criar condições de possibilidade para que as gerações seguintes continuem a ter as suas utopias.

A grande utopia é termos uma sociedade que permita que cada um, dentro de limites ambientais, ecológicos, materiais, possa seguir o seu caminho. A minha utopia para o futuro é a utopia da realização do indivíduo.

Mas se não arranjarmos a casa, se não organizarmos politicamente a economia e a sociedade, não vamos ter nada disso. Teremos sociedades de refugiados ambientais, de estados policiais, de estados de emergência. O terrorismo, agora, é uma pequena amostra do que poderá vir a acontecer".

Depoimento recolhido e editado por Ricardo Garcia

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