Manuel Coelho: Matar o tumor com balas de ouro

É visível o entusiasmo de Manuel Coelho quando carrega na tecla play. O vídeo 3D começa a correr no computador portátil e vêem-se dezenas de pequenos pontos dourados em rotação acelerada. “Parecem motores”, ilustra este professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Cada um daqueles pontos é um muito pequeno pedaço de ouro colocado dentro do citoplasma de uma célula cancerígena. Sob o efeito de radiação, a agitação dessas nanopartículas aumenta, num processo que pode acabar por romper a membrana da célula, matando-a.

A descoberta da equipa de Manuel Coelho é recente e ainda não está completamente comprovada, mas os primeiros resultados são promissores e abrem novas possibilidades no combate aos tumores. A combinação de radiação electromagnética com as nanopartículas de ouro dentro de uma célula cancerígena aumenta a morte celular entre 20 e 25%. O processo é em tudo semelhante ao de muitos tratamentos de cancros que hoje são feitos, combinando quimioterapia e radioterapia. “Se conseguirmos um efeito muito superior ao da radioterapia por via das partículas de ouro, podemos baixar o nível da quimioterapia e isso pode ser um avanço”, explica o cientista portuense.

O próximo passo desta investigação será repetir estes testes e comprovar, em definitivo, que o efeito combinado da radiação com partículas de ouro mata realmente de forma mais eficaz as células dos cancros. É isso que a equipa do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia da FEUP, dirigido por Coelho, se prepara para fazer nos próximos meses, em parceria com o Centro de Investigação para o Cancro do Radium Hospital de Oslo, na Noruega.

A possibilidade aberta por esta descoberta é ainda muito recente. O vídeo que Manuel Coelho faz correr no computador portátil é, de resto, o primeiro que documenta o movimento das nanopartículas de ouro no interior de uma célula e foi conseguido, no ano passado, por Sílvia Coelho, então estudante de doutoramento, que trabalhava sob sua supervisão. O tamanho destes pequenos pedaços de ouro, na ordem dos 20 a 30 nanómetros (1,07374182 × 10 [elevado a] 39 nanómetros), dificulta esse registo. Este só foi conseguido “por grande coincidência”, confessa o investigador da FEUP, “ao fim de três horas num microscópio confocal”.

Coincidências como estas dão, porém, muito trabalho no mundo da ciência. Há oito anos que as equipas lideradas por Manuel Coelho vêm trabalhando com nanopartículas de ouro. E, antes disso, outros materiais de nanoescala já tinham feito parte da carreira deste investigador, que é professor, desde 1991, na FEUP, onde também já tinha feito a licenciatura e doutoramento. Depois disso, fez o pós-doutoramento nos Estados Unidos, com passagens pelas universidades californianas de Davis e Stanford, onde a sua formação de base em Química começa a cruzar-se com a Biologia. Desde então, tem-se debruçado sobre nanopartículas em polímeros e nanocarregadores, desenhados para transportar drogas até determinadas partes do corpo humano.

Quando Manuel Coelho, 55 anos, começou a estudar as nanopartículas de ouro, o objectivo era, precisamente, utilizá-las como transportador de medicamentos. Até que percebeu que podia ser feita deste material a bala certa para matar um cancro. O que atraiu o cientista não foi, porém, uma ideia poética, mas a reconhecida muito alta densidade electrónica deste material. “A pergunta que se começou a colocar foi: como têm densidade electrónica muita alta, não terão a capacidade de criar centros de reactividade muito alta?” Os resultados do seu trabalho parecem indicar que sim.

A combinação com a radiação electromagnética não é a única possibilidade aberta pelo ouro no combate ao cancro. Estas nanopartículas têm uma grande facilidade em entrar nas células dos tumores, que têm tendência a “engoli-las” num processo de endocitose. Desse modo, é possível carregar muito mais droga para dentro da célula do que pelos processos habituais de difusão, o que pode aumentar a eficácia dos tratamentos.

A investigação de Sílvia Coelho e Manuel Coelho — que, além do interesse pelas nanopartículas douradas, partilham o apelido, ainda que não tenham qualquer parentesco — mostrou também que as partículas de ouro criam uma sinergia quando combinadas com o bortezomib, um inibidor de protéases (enzimas que destroem proteínas) usado pelos médicos no tratamento de tumores. Esta droga é muito tóxica e, mesmo em concentrações muito baixas, provoca lesões graves. No entanto, quando é associada ao ouro, é possível manter o mesmo resultado com uma concentração até 30 vezes inferior. Estes resultados são particularmente auspiciosos em células do pâncreas e da próstata, estando a ser preparados os primeiros testes em animais durante este ano.

O triunfo de algumas destas terapias depende, todavia, de factores políticos e económicos, defende o professor da FEUP. Desde logo, são necessárias mudanças na legislação a nível europeu, que permitam fazer testes de novos tratamentos mais facilmente, reduzindo o tempo que os produtos inovadores demoram a sair para o mercado. Por outro lado, o investimento na área depende das farmacêuticas. “Vai depender da concorrência entre elas”, diz.

“Enquanto determinadas empresas conseguirem manter-se monopolistas e retirar lucro de determinada tecnologia, não vão investir noutra.” 

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.