Nuno Peres: O grafeno é quase presente, o futuro será outra coisa

Não vão passar muitos anos até que seja possível enrolar um tablet e metê-lo debaixo do braço. A imagem é antecipada por Nuno Peres, professor da Universidade do Minho (UM). E se há alguém em quem se pode confiar para conjecturar um cenário como este é neste físico teórico, que, na última década, tem trabalhado com Andre Gein e Konstantin Novoselov, laureados com o prémio Nobel da Física em 2010, precisamente por terem sintetizado o grafeno. Entre outras utilizações, este supermaterial pode permitir a criação do chamado “papel electrónico”.

Ainda não há produtos no mercado capazes de explorar estas potencialidades do grafeno, uma forma cristalina do carbono. Mas gigantes da tecnologia como a Samsung estão a investir largamente neste campo e há um novo projecto europeu, lançado no início deste ano, que destina 5 mil milhões de euros, durante os próximos dez anos, para investigação na área, com grande destaque para a electrónica flexível. O papel electrónico está, por isso, num futuro cada vez mais próximo.

Há poucas pessoas no mundo que saibam tanto sobre as propriedades do grafeno como Nuno Peres, nascido em Arganil há 47 anos, formado na Universidade de Évora (licenciatura em Física e Química e doutoramento em Física Teórica) e professor na UM desde 2002. Dois anos depois de ter chegado ao Minho, começou a trabalhar em torno dos sistemas bidimensionais, em particular daqueles em que os electrões se movimentam em redes hexagonais, como é o caso do grafeno. Foi esse trabalho que proporcionou o encontro com a dupla vencedora do Nobel de 2010.

Esta colaboração começou em 2005. “Eles tinham certos problemas do ponto de vista experimental que não percebiam teoricamente e nós tínhamos as respostas a essas questões”, recorda. Entre os contributos teóricos que o investigador da UM deu nesta matéria, está a explicação para a transparência do grafeno. Por causa da forma cónica da energia dos seus electrões e de como, quando iluminado, absorve muito pouca luz — numa gama muito vasta de comprimentos de onda, desde o infravermelho ao ultravioleta —, o grafeno é praticamente transparente. É essa característica, aliada à sua alta condutividade (é um material muito puro) e grande flexibilidade (é plano e muito fino, como uma folha de um único átomo de espessura), que lhe dá condições para ser a base do desenvolvimento do papel electrónico.

Estas não são, porém, as únicas propriedades do grafeno que entusiasmaram a comunidade científica. Este material é também um excelente condutor de calor, é leve e muito robusto do ponto de vista mecânico, abrindo possibilidades de utilização diversas, que vão do fabrico de novos transístores a supermateriais para a construção de veículos.

Estes contributos de Nuno Peres são apenas uma parte das quase 14 mil citações de artigos da sua autoria registados, entre 2002 e 2012, pela base de dados ISI Thomson Reuters, que fizeram dele o cientista português mais citado internacionalmente nos últimos anos. O grafeno não tem sido o campo exclusivo da atenção deste cientista, que considera a disponibilidade de ir mudando de área de investigação uma “característica essencial” para quem pretende manter-se na linha da frente da ciência.

É isso que está a fazer neste momento. Ainda que vá continuar a debruçar-se sobre o grafeno e a dar resposta aos vários projectos internacionais em que está envolvido, Peres acredita que a Física deste material terá tendência a tornar-se cada vez mais tecnologia — por causa das possibilidades de aplicações imediatas que oferece. O seu tempo de investigação será, assim, cada vez mais dedicado a novos materiais que, tal como o grafeno, são bidimensionais e têm uma rede hexagonal, mas que oferecem um outro tipo de possibilidades.

Entre estes, há um grupo em particular que está a interessar Nuno Peres, os chamados “dicalcogenetos” de metais de transição, que são materiais que têm na sua composição metais de transição como o molibdénio, tungsténio, enxofre ou selénio. Alguns deles também foram isolados pelo mesmo grupo do Nobel de 2010 e já tinham sido discutidos, com brevidade, pela comunidade científica em 2005. “Mas na altura ninguém lhes prestou muita atenção”, conta o cientista da UM.

Parece ter agora chegado a sua vez. A equipa de Nuno Peres começou, no ano passado, o trabalho de familiarização com estes materiais, tentando aplicar o conhecimento anteriormente produzido na área do grafeno devido às suas semelhanças. O desafio está, contudo, nas suas diferenças. Ao contrário do grafeno, os dicalcogenetos são semicondutores e abrem possibilidades de aplicação que o grafeno não tem, por exemplo, em transístores. Devido a essa semicondutividade, podem ser ligados e desligados, um aspecto fulcral para a sua aplicação na electrónica digital. Mas também podem ser aplicados à optoelectrónica ou em sensores.

No entanto, para que essas aplicações sejam possíveis, será necessário melhorar a capacidade de condução eléctrica destes materiais, que actualmente ainda apresentam vários defeitos que criam obstáculos à passagem da energia. Resolver essa questão é o desafio a que se propõem os investigadores do centro de Física da UM, liderados por Nuno Peres, que apresentaram recentemente um projecto à FCT, em parceria com o Laboratório Ibérico de Nanotecnologia, também com sede em Braga, para fazer essa investigação. Se o grafeno é quase já o presente, talvez possa estar aqui o futuro.

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