Graciosa: Passeio pela arquitectura da água na ilha seca

O eco ressoa pela ampla sala subterrânea, uma acústica em ricochete nas paredes arredondadas e pelas arcadas em pedra de cantaria. No chão, pequenas poças aqui e ali recordam que este espaço foi outrora cofre da água-tesouro. Nos anos bons, o líquido poderia beijar o tecto de vermelho descarnado. Estamos no interior do Tanque do Atalho, localizado à saída de Santa Cruz, um dos três antigos reservatórios de água da Graciosa. A celebrar 150 anos, é, para já, o único aberto ao público, acessível desde finais de Outubro.

“A nossa ilha é muito seca e plana, tem poucas nascentes”, introduz Dina, funcionária do espaço. “Em 1844 tivemos uma seca tão grande que foi necessário pedir água à Terceira, que veio para cá em barris. Foi nessa altura que se lembraram de construir este reservatório”, conta.

Inaugurado em 1866, tinha capacidade para armazenar 1800 metros cúbicos de água. A maioria chegava a partir de uma tubagem de barro desde a serra das Fontes, “onde existe um reservatório maior do que este e algumas nascentes”. A restante caía da chuva pelos orifícios no tecto, que permitiam igualmente que os vizinhos captassem baldes de água, embora esta fosse canalizada para o chafariz de Santa Cruz.

No século XX, com a criação de uma moderna rede de abastecimento de água, o reservatório caiu em desuso. Hoje em dia, só mesmo a chuva molha momentaneamente esta cisterna subterrânea. “De uma maneira é bom porque as pessoas aqui têm medo da água e a maioria não quer entrar se souber que tem água lá dentro”, conta Dina. “A percepção deles é que estava cheio e [imaginam] que ainda está, por isso estão sempre com aquele receio de entrar, cair e afogarem-se”, justifica. “Mas isto é muito lindo durante o dia e quando está montes de sol. Vê-se bem lá dentro e entram uns raios de luz. É lindo, lindo”, sorri.

O Tanque do Atalho faz parte da futura Rota da Água, um circuito pelos vários sistemas de captação, armazenamento e distribuição de água que se encontram espalhados um pouco por toda a ilha, testemunhos das estratégias populares no combate à escassez daquele precioso bem. “Sempre foi um grande sacrifício da população ao longo dos tempos. A sobrevivência relativamente à escassez de água fazia parte da vida das pessoas”, recorda Lizete Albuquerque, a nossa guia pela ilha.

Uma viagem pela arquitectura da água – de tanques a bebedouros para os animais, dos chafarizes às pequenas nascentes, dos grandes reservatórios aos icónicos pauis da praça central da vila – que é também uma viagem pela história e cultura da ilha.

Reservatório de Água do Atalho
Rua Engenheiro Manuel Rodrigues Miranda – Santa Cruz da Graciosa
Horário: segunda a sexta, entre as 13h30 e as 17h
Preço: Entrada gratuita

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